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Este é um post inicial de um projeto que espero que dê muitos outros frutos, ou posts, no futuro. E surgiu porque bastante gente me pergunta sobre os livros que estou lendo e pede dicas de leitura. E outras tantas me pedem para publicar minhas dicas de livros no blog. Voilá 🙂

Organizar as leituras quando a gente lê muito não é fácil. Achei no Goodreads uma maneira prática e gostosa de organizar minhas leituras e, de quebra, saber o que os amigos estão lendo e do que gostaram ou não gostaram. Assim, se você adora ler e lê mais de 10 livros por ano, dá uma olhada no Goodreads porque é bem legal.

Outra coisa importante para contar para vocês. Nunca gostei de largar um livro no meio. Lembro-me de sofrer com alguns livros enormes que não estavam me dando prazer algum na leitura, mas que eu achava, por alguma razão, que devia terminá-los. O tempo passa e a gente tem cada vez menos tempo na vida. E tomei a decisão de ler apenas aquilo que de fato me dá prazer, me instiga, me interessa. O método é o seguinte: a) escolho muito bem as leituras, peço dicas, leio a respeito e evito compras de impulso na livraria (que já fiz muito!); b) leio até a página 50 (quem lembra desta “comunidade” nos primórdios do Orkut??) e aí me pergunto se quero dar uma chance ao livro. É óbvio que às vezes o livro é tão bom que a página 50 passa desapercebida. Aí não tem erro mesmo 😉

Por fim, leio muito em inglês e alguns livros que vou indicar não tem ainda tradução para o português. Não se zanguem comigo. Para quem lê em inglês, todos estes títulos abaixo são facilmente encontráveis na Amazon, tanto no Kindle como em papel.

Enfim, vamos ao que interessa.

Foram 19 livros no total.

O melhor livro do semestre

UnknownDos livros que li neste primeiro semestre de 2014 o campeão e o único a receber 5 estrelas foi o The Hare With Amber Eyes: A Family’s Century of Art and Loss, ou A lebre com olhos de âmbar, livro de estreia do ceramista inglês Edmund de Waal.   O livro é  de não-ficção e conta a história da família Ephrussi através das indas e vindas de uma coleção de miniaturas japonesas, os netsukes herdados de um tio-avô. A história começa quando um membro da família que vive em Paris compra a coleção no século XIX. Esta coleção passa por Viena durante a Segunda Guerra, vive no Japão por muitos anos e termina na Inglaterra nos tempos atuais. O livro é fascinante, bem escrito, emotivo na medida certa, um encanto. Vale a leitura especialmente para quem curte biografias, história e arte. Recomendo fortemente a leitura do exemplar ilustrado do livro, de capa dura. As fotos da família e dos netsukes e outros objetos tornam a leitura mais palpável, vale a pena. Aqui, uma boa resenha sobre o livro.

Outros livros dos quais gostei muito

Unknown-2The Levels of Life, ou Os níveis da vida, do Julian Barnes. Um livrinho curto e bem singular. A ideia inicial do autor (de quem já li O sentido do fim, outro bom livro) é falar sobre o luto após a morte de sua esposa de muitos anos. Mas para isto ele divide o livro em três partes e nas duas iniciais fala sobre balonismo, história, fotografia para então entrar na terceira parte propriamente dita sobre amor e luto. Mas tudo se encaixa e faz sentido, pois são as metáforas das fases da vida que regem sua narrativa.  Um livro que não é para todo mundo, mas é lindíssimo  e profundo no seu relato de luto.

Villette da Cimagesharlote Bronté. Um livro delicioso para os fás das irmãs Bronté e da Jane Austen. E especialmente para quem leu e gostou de Jane Eyre, achei este, relativamente desconhecido, melhor ainda.

 

MEU_PESCOCO_E_UM_HORROR_1230950603PI Feel Bad About My Neck  ou Meu pescoço é um horror e outros papos de mulher, da escritora e roteirista Nora Ephron. Primeiro, relevem o título! É apenas o título de uma das crônicas que compõem este livro delicioso de ler para a mulherada de mais de 40 anos. A Nora Ephron, para quem não lembra, é aquela gênia que foi roteirista e diretora de algumas das melhores comédias românticas do passado como Sintonia de Amor (Sleepless in Seattle) e Mensagem para você (You’ve got mail) além de um dos filmes da minha vida, Harry and Sally.  São crônicas deliciosas sobre o processo de envelhecer, filhos, carreira, etc. O primeiro texto é sobre bolsas e o segundo sobre o pescoço. Persista!

422713Lilla’s Feast: One Woman’s True Story of Love and War in the Orient da Frances Osborne não tem tradução em português. Mas para quem lê em inglês e gosta de biografias de mulheres que viveram vidas cheias de aventuras este é um prato cheio. Foi escrito pela bisneta da personagem [principal, que viveu mais de 100 anos. Lilla nasceu no norte da China, viveu na Índia e passou um tempo em um campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra, onde escreveu um livro de culinária, que inclusive está exposto hoje no Imperial War Museum em Londres. Gostei muito.

9118135State of Wonder ou Estado de graça da Ann Patchett, um livro surpreendente. A personagem principal, que é americana, vai morar um tempo na Amazônia e lá passa por experiências de todo tipo. Um enredo bem original, uma história bem contada. Mesmo que para nós brasileiros algumas coisas sobre a Amazônia e os índios possam parecer inverossímeis, não há nada que comprometa. Curti bastante esta leitura

UnknownThe cellist of Sarajevo ou O violoncelista de Saravejo de Steven Galloway. Um livro lindo que narra um mesmo período de tempo das vidas de personagens bem diferentes durante o cerco de Saravejo. Seus medos, suas dúvidas, suas esperanças e desesperanças e como suas vidas se entrelaçam durante a narrativa.

Um pouco sobre os demais livros que li

Best Food Writing 2009, uma coletânea da Holly Hughes – esta coletânea de crônicas e ensaios sobre comida sai todo ano. No ano passado li uma das coletâneas de “best travel writing” e este ano quis tentar este novo tema. O problema é que alguns textos são excelentes e outros nem tanto. Mas é um bom divertimento para quem gosta de crônicas sobre comida e quer uma leitura leve, que possa ser interrompida constantemente. Não tem tradução para o português.

A solidão dos números primos do Paolo Giordano – um estilo de escrita poética, original e bonita. Foi o que valeu no livro. Mas não consegui entrar na alma dos personagens, que me pareceram muito rasos.  Uma história de amor e desencontros entre dois adolescentes problemáticos, tão singulares que são como números primos que se dividem apenas por um e por eles mesmos.

The Invisible Ones ou Invisíveis de Stef Penney – um mistério sobre um assassinato, envolvendo a comunidade dos ciganos na Inglaterra. Bem leve, sem pretensões. Gostei da história e de aprender mais sobre a vida dos ciganos.

South of the Border, West of the Sun ou A sul da fronteira, a oeste do sol do Haruki Murakami – um romance sobre um homem e suas paixões durante a vida. Narra especialmente seu encontro depois de casado com um amor de juventude.  Apenas para passar o tempo.

The Glass Palace de Amitav Ghosh, sem tradução para o português.  Um livro que foi bem indicado, mas frustrou. Um romance histórico escrito por um indiano, que começa com a invasão inglesa em Burma no início do século XX e narra a história de duas famílias ao redor das mudanças políticas, econômicas e sociais na região. Achei o autor um excelente historiador, o melhor do livro é seu panorama histórico, mas perde muito em relação aos personagens. Novos personagens vão sendo inseridos durante o livro e outros vão sendo deixados para trás. Para quem não se apega a personagens e gosta de História, pode valer a pena.

Hateship, Friendship, Courtship, Loveship, Marriage ou Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento da Alice Munro. Mais uma vez a questão dos contos. Alguns muito bons, outros chatos e sem pé nem cabeça. Não é um estilo que eu goste muito. Para quem gosta de contos e da visão feminina da vida.

The Art Forger do B. A. Shapiro, sem tradução para o português. Mais uma história de mistério envolvendo o mundo da arte e das falsificações de pinturas. Bom divertimento.

Tuesdays with Morrie ou A última grande lição – O sentido da vida do Mitch Albom. Não costumo nem gosto de ler livros de auto-ajuda, categoria na qual classificaria este livro. Li por interesse pessoal em aprender mais sobre a doença ELA (esclerose lateral amiotrófica). Apenas para os aficcionados.

The grandmothers ou As avós da Doris Lessing. Um livro instigante com uma temática difícil que pode ser desconfortável para alguns. Mas eu gostei. O livro narra sobre uma relação de amor e sexo nada convencional. Os personagens e seus dramas são bem construídos, o panorama geral é interessante, vale a pena para quem quer pensar.

The Mussel Feast da Birgit Vanderbeke, sem tradução para o português. Outro livro instigante, da categoria dos desconfortáveis, onde entram A solidão dos números primos, os contos da Alice Munro e As avós.  Um livro curtinho, narrado em primeira pessoa pela filha adolescente de uma família que espera o pai chegar para um jantar de comemoração pela sua promoção. Durante a espera ela vai falando sobre a vida da família, que em princípio parece exemplar mas que aos poucos vai desvendando seus problemas. Bem interessante.

Inferno do Dan Brown – mais do mesmo.

Não gostei  (ou talvez um dia eu dê outra chance ao Paul Theroux!)

Dark Star Safari ou Safári da estrela negra do Paul Theroux – muita gente vai me xingar, mas este livro não me pegou. Queria muito lê-lo por conta da indicação do Daniel Piza. Já escrevi sobre ele aqui. Mas achei o autor mal-humorado, preconceituoso, alguém que parece estar sendo obrigado a viajar. Nem terminei a leitura. Talvez tenha que dar outra chance a ele qualquer dia desses 😉

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foto mais amor por favor

Estou na fila do caixa no supermercado. Na minha frente, já no caixa, uma pessoa passando suas compras. Entre eu e ela, um carrinho cheio, aparentemente sem dono. Aguardei a pessoa no caixa terminar e perguntei se o carrinho era dela. Resposta negativa. Olhei em volta e fui afastando o carrinho para passar as minhas compras. Nisso, chegam os donos do carrinho. Um casal de senhores, com um pacotinho de amido de milho na mão, expressões desconcertadas no rosto. Pedi desculpas e recoloquei o carrinho deles na minha frente. Profusas desculpas. Um não achara o amido de milho, o outro foi ajudar, deixou o carrinho alguns minutos, etc. E um grande espanto pela minha compreensão em deixá-los continuar à frente. E assim começou o assunto: como as pessoas hoje em dia estão impacientes, nervosas, bravas. Não há mais educação, falta gentileza.

Mais tarde, estacionando em uma destas lojas gigantes de esportes, presenciei uma cena bizarra. Uma pessoa aguardando vaga para estacionar. Chega outra e, entrando no seu carro que estava parado em uma vaga de deficientes, solta o seguinte: “estou saindo, estacione aqui”. Pelo que ouve de volta: “desculpe, mas não sou deficiente”. Gritos e xingamentos. Do primeiro, o que estava saindo.

Na mesma semana, vi uma senhora tentar embarcar no trem do metrô e ser empurrada e xingada por outro senhor, porque estava “demorando muito”. E novamente surgiu o assunto, entre todos ali, da falta de educação e gentileza, da impaciência e do nervosismo de todo dia.

Para completar, dias depois vivi uma cena constrangedora (não para mim) no trânsito. Estava dirigindo por Pinheiros e diminui a velocidade para procurar um lugar onde nunca tinha ido, do qual só tinha o número da casa. De repente, a pessoa de trás buzina longamente e, ao passar por mim, me manda um ‘dedo do meio’. Cena normalíssima neste nosso atual cenário paulistano – não fosse uma pessoa conhecida. Que, aliás, ficou super sem graça quando me viu.

Enfim, estórias que serviram para me fazer pensar em um assunto que tem incomodado bastante: a questão da educação. Não estou falando só de boas maneiras. Mas também da educação civil, do comportamento em sociedade, do senso de coletividade. E mais ainda, da gentileza, da tolerância com os enganos e erros do dia a dia.

Não há dúvida que em um país onde as coisas não funcionam direito e há um alto grau de impunidade, as pessoas fiquem mais inseguras e tendam a brigar mais pelos seus direitos, a fazer justiça pelas próprias mãos. A sensação é de desamparo, de estar por sua conta e risco. Mas acho que a falta de educação e a intolerância dos paulistanos já está atingindo um nível epidêmico. Já estão entranhadas de tal forma no nosso cotidiano que achamos normal buzinar a torto e a direito, por exemplo, porque alguém demorou um pouquinho para sair com o carro no semáforo.

Morei fora de São Paulo por quase 15 anos. Voltamos no ano passado e confesso que, neste primeiro ano de volta, entrei com tudo no clima bélico da cidade. Não levava desaforo para casa. Tentava – inutilmente claro – educar os motoristas e pedestres pelas ruas de São Paulo. Virei fiscal das vagas de deficientes. E por aí vai. Toda uma gama de neuras de procurar educar as pessoas para viver melhor em sociedade. Cansei.

Acho que o segredo para isto tudo melhorar está também em um comportamento aparentemente contrário. Não digo que virei uma pessoa acomodada, que aceita os desmandos da anti-cidadania. Mas estou mais tolerante. Mais paciente. Mais bem-humorada.

Continuo recebendo diariamente fechadas e buzinadas. Mas agora respiro fundo e presto atenção na música que toca no rádio. Tento ser mais leve.

A pessoa que me deu um ‘dedo do meio’ sumiu. Tudo bem. Faz parte daquele grupo lamentável de pessoas que é muito educada e gentil com os amigos. Ou nas situações normais. Mas vira um touro bufante quando está ao volante de um carro. Quando o garçom traz o prato errado. Quando alguém entra correndo na sua frente no metrô. Quando o manobrista demora para trazer o carro. O quando alguém deixa um carrinho de supermercado desatendido na sua frente 🙂

Estas situações, infelizmente, são corriqueiras e vão acontecer, volta e meia. E em algumas ocasiões você até vai ter razão. Mas não é motivo para perder a calma. Para ser grosseiro. O mundo está precisando de mais educação, mas não só. Também de mais calma, mais tolerância, mais paciência, mais gentileza. Se todos fizerem um esforço para refletir a respeito, já teremos um mundo um pouquinho melhor. Mais amor, por favor.

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Batatas rústicas do Twelve Bistro.

Tem muito lugar gostoso para comer na cidade, mas com a loucura que é São Paulo a gente acaba frequentando mais os lugares perto de casa, mesmo. Temos os nossos preferidos onde o lugar é bacana, a comida é muito boa e o preço vale quanto pesa. E é pelo preço que outros restaurantes que adoramos acabam perdendo algumas posições no nosso ranking BBB: o Arturito, o Aguzzo e a Tasca do Zé e da Maria, por exemplo.  Gostamos muito destes também.

Mas vamos aos cinco eleitos do momento.

Astor

O clássico que não tem erro. Drinks  bem feitos, comida gostosa, aconchegante e variada; preço razoável.  O Astor  na verdade é um bar com boa comida e não um restaurante, mas vale aguentar o barulho e a lotação pelo que oferece. Prove o excelente mojito, meu drink preferido lá. Mas há outros caprichados, inclusive alguns que a gente não acha em todos os lugares, como o Tom Collins. Difícil achar um prato que não seja bom aqui: tem  o steak tartar que é campeão, a salada Lyonnaise com ovo poché, croutons de bacon e chips de alho poró; os moules et frites. Somos frequentadores habituais, mesmo.

Chou

O Chou é provavelmente o meu restaurante preferido em São Paulo. Adoro o clima do lugar e curto demais ficar só nas mezzes, divinas, diferentes, deliciosas. Entre elas as cebolas assadas, a pasta de berinjelas queimadas, a abóbora cabochá assada, os cogumelos portobello, a lista é infinita. Mas da grelha sai também um ótimo polvo e umas batatas doces assadas na brasa que são de morrer. A lista de vinhos é legal, ou seja, vá 🙂 mas não esqueça de reservar antes.

Suri

O Suri Ceviche Bar é um lugar pequeno que está sempre lotado, o que exige reserva prévia. Especializado em comida peruana, especialmente nos ceviches, é tudo caprichado, bem temperado, fresco e gostoso. Atendimento um pouco lento mas sempre simpático, nada que comprometa. Adoro o ceviche da casa e a parrilada de altamar. Mas tem mais de dez variedades de bons ceviches, com temperos diferentes, uma delícia descobrir as novas combinações e sabores. Peça um pisco sour para acompanhar.

Twelve

O Twelve Bistro é o irmão mais novo desta turma, descoberto recentemente, virou o almoço ou jantar de toda semana. Também é pequeno e lota no jantar, no almoço é mais tranquilo. Sente na varanda e comece com os pastéis de cordeiro, as coxinhas de rabada ou as batatas fritas rústicas. Depois, prove o bolovo, o fish ‘n’ chips, o steak tartar ou o campeão de audiência aqui em casa: o hambúrguer de fraldinha com cogumelos, gorgonzola, pimenta verde e aioli. Uma super completa carta de cervejas. E tem sorvete de Guiness de sobremesa 😛

Nou

Na parte baixa de Pinheiros, o Nou é também uma gratíssima surpresa. Outro lugar pequeno e aconchegante que vive cheio.  A comida é consistentemente boa. Não me canso nunca do risoto negro com frutos do mar, sempre no ponto certo e delicioso, e do filé à milanesa também campeão. Os preços são mais salgados do que nos anteriores mas durante a semana há o menu fixo de almoço executivo por R$ 34,00 e de jantar por R$ 62,00. Vale a pena.

Outros lugares de que gostamos de ir no eixo Vila Madalena/Pinheiros: Do Culinária Japonesa, Le Jazz, Saj e o Vila das Meninas.  Os que estão na lista e devemos testar em breve: Minato IzakayaTanger e  La Madrileña Casa de Vinos.

E vocês leitores? Quais os seus lugares prediletos para comer na Vila Madalena/Pinheiros?

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Sempre que contava que estava indo ao  Peru, tinha alguém para dizer “ah, você vai comer muito bem lá!”

De fato comi muito bem no Peru. Não só em restaurantes caros, mas em botecos e lanchonetes – no caso, cevicherias, sangucherias e anticucherías.

Mas não é só. Conheci um país apaixonado por comida e pela culinária.

Um país feito de comida muito boa, variada, colorida e criativa. Um país com alma gastronômica.

Claro que há outros! Ninguém questiona a França, a Itália, a Espanha. Mas na América Latina acredito que o Peru é um caso único. Quase todo peruano com quem conversei, de guias turísticos a taxistas,  é um entusiasmado por comida. Desfiam receitas, contam dos hábitos de comida na família, o que comem nas festas e têm na ponta da língua um restaurante para indicar.

E fiquei pensando no porquê desta paixão toda. Como foi que este país  firmou este inconsciente coletivo gastronômico tão forte. Bom, tenho cá a minha teoria. De leiga, claro.

Ceviche do Astrid & Gastón, o melhor.

Gastón Acurio

Começo pelo fim, que aqui é o Gastón Acurio. Muitas das pessoas com quem conversei no Peru acreditam que Gastón Acurio é o grande responsável por este boom gastronômico do país. Não só na sua função de chef e dono de restaurantes, mas também pelo seu papel social. A  história do Gastón Acurio é muito interessante.  Seu pai, advogado por formação e político  de carreira, queria ver o filho sucedendo-o. Mandou-o para a universidade em Madri para estudar Direito.  Na Espanha, Gastón conheceu Juan Maria Arzak e se apaixonou pela gastronomia. Largou a faculdade de Direito e acabou no Cordon Bleu em Paris. Ali se formou e voltou ao Peru em 1994 com sua esposa Astrid. Seu sonho era sofisticar a culinária peruana e o cenário gastronômico em Lima. Para tanto, abriram um restaurante francês, o Gastón & Astrid.

“Que sentido tiene la gastronomía peruana, sino puede contribuir al desarrollo del Peru, que sentido tiene una gastronomía peruana conviviendo con desnutrición, hambre y desigualdad de justicia, no tiene sentido”  (Gastón Acurio)

Mas aí que vem a parte bacana. Gastón começou a viajar pelo Peru. E começou a perceber a riqueza que tinha em mãos. Uma quantidade imensa de ingredientes diferentes. Uma história culinária rica, variada, espalhada pelos mais diversos cantos do país. Começou a explorar a culinária nativa e a fazer parcerias com produtores locais.

Em 2007 abriu uma escola superior de culinária em Pachacútec, distrito na periferia de Lima.  Empresas privadas peruanas e ONGs espanholas ajudaram a financiar o negócio. A mensalidade do Instituto de Cocina Pachacútec gira em torno dos 60 soles (cerca de R$ 50) enquanto escolas do mesmo nível chegam a ter mensalidades de dois mil soles. Há também uma política de empréstimos estudantis. Gastón Acurio arrastou com ele outros chefs de cozinha, outros empresários.

Hoje, o Peru tem mais de 40 escolas superiores de gastronomia espalhadas pelo país. É o único país da América do Sul que tem um instituto Le Cordon Bleu. Muita gente simples vem aprendendo e encontrando sua carreira nesta área.

Mercado de Surquillo, em Lima. Tem de tudo mesmo!

Diversidade climática

O segundo aspecto importante é que o Peru é um país privilegiado pela variedade de microclimas. Esta variedade traz uma grande riqueza de ingredientes. Claro, o Brasil também é assim. Mas pensem no tamanho do Peru em relação ao tamanho do Brasil. Imaginem sair de São Paulo e em uma hora de voo chegar aos Andes ou à selva amazônica. E ter gente no país todo preocupado em resgatar e explorar ingredientes locais. É mais ou menos isto.

E o Peru tem três fatores determinantes nesta história. O primeiro são as correntes marítimas. A  Corrente de Humboldt, de águas frias ricas em plâncton, vem do Pólo Sul. Do Norte vem a corrente quente proveniente do Pacífico Central, o famoso El Niño.  As águas frias ao chegar na costa peruana recebem insolação tropical, se aquecem e afloram. Na superfície se acelera o processo de fotossíntese e o fitoplancton se torna mais nutritivo, iniciando uma cadeia alimentar que faz do mar peruano o mais produtivo do planeta.

Já na Cordilheira dos Andes uma grande quantidade de rios abrem espaços pelas montanhas. Alguns vão para o Pacífico e outros à foz do rio Amazonas. A região é muito rica em recursos minerais e formam-se vales com terras férteis pra a agricultura. A variedade de altitudes permite que se desenvolvam cultivos muito variados. Por fim, o Peru tem a Amazônia, região com a maior biodiversidade do planeta. Tudo isto muito próximo, com grande intercâmbio de culturas e experiências.

Terraços de agricultura no sítio arqueológico de Pisac.

Finalmente, os incas

Mas acredito que há algo mais que faz este país amar tanto a comida. A base está lá, mas e a alma? Fui aos poucos pensando no assunto e após visitar Machu Picchu cheguei ao terceiro ponto da minha teoria. Nosso guia em Machu Picchu era um verdadeiro professor de História, que conseguiu afastar nossa ‘lente cultural’ e abrir nossos olhos para outras formas de pensar. E de repente me vi pensando que está nos incas, este povo que tanta influência tem no povo peruano, o terceiro elo.

Pois bem, explico. Os incas são um povo primitivo mas, ao contrário da maioria deles, não um povo guerreiro. Praticamente não existem armas ou adereços de defesa deixados por eles. Não existem fortalezas. Praticamente não há registros nas cerâmicas (que registram TUDO o que os incas faziam, inclusive sexo e lavar o cabelo, por exemplo) de guerras ou batalhas. Mas como pode ser assim se o Império Inca conquistou em menos de 100 anos uma superfície de um milhão de quilômetros quadrados, do Equador ao norte da Argentina e do Chile? Pois aí que está a beleza da coisa.

Os incas eram, por natureza, um povo essencialmente agrícola. Não há fortes, mas há uma quantidade incrível de ‘terraços’ para agricultura, o sistema de cultivo por curvas de nível. Já se sabe, por exemplo, que Machu Picchu não era uma fortaleza e nem uma cidade propriamente dita, mas um santuário onde moravam nobres e sacerdotes, e onde se praticava a religião e a ciência. Que eram a mesma coisa. Uma ciência voltada essencialmente à previsão do tempo e ao desenvolvimento de técnicas agrícolas.

Em Machu Picchu há um calendário de pedra que estuda a insolação. Lá foram encontradas sementes de milho geneticamente modificadas, entre outras. Acredita-se que foram eles que transformaram as batatas originalmente pequenas em batatonas e o milho de grãos pequenos e em milhos de grão gigante. Os incas desenvolveram uma técnica (adotada até hoje) que permite desidratar batatas, que assim chegam a durar anos próprias para o consumo. Os incas  adoravam os deuses que influenciavam diretamente esta prática, como o Sol, a Lua, a Água, os Raios e os Trovões.

E como conquistaram tanto território desta forma pacífica? Sempre tinham excesso de produção agrícola. Seus depósitos de comida estavam quase sempre cheios. E era assim que faziam. Conquistavam outros povos pelo estômago 😛

Enfim, quem gosta de comer e explorar experiências gastronômicas, tem no Peru um prato cheio. Sem trocadilhos 😉

 

 

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Fiquei muito feliz com o convite da Daniela Falcão, Diretora de Redação da revista Vogue, para escrever uma pequena crônica para esta revista sobre minha experiência de sair da cidade grande  e vir morar no interior.  Conto um pouco  sobre os desafios e surpresas que encontrei, sobre aquilo que aprendi a gostar e do que sempre senti falta.

A Vogue de novembro está incrível e ainda dá muitas dicas de moda, gastronomia e cultura de Ribeirão Preto e de outras cidades do interior de São Paulo: Araçatuba, Campinas e Campos de Jordão. É o “Brasil no Brasil” na Vogue, não percam 😀

Clique na foto para abri-la em tamanho maior e ler o texto na íntegra.

 

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Neste post comecei a falar sobre literatura de viagem e inclui uma lista de livros de viagem indicados pelo jornalista e escritor falecido, Daniel Piza.

Em seguida, na blogagem coletiva organizada pelo grupo Viaje na Leitura do Facebook, relacionei minhas leituras e recomendações de diários de viagens.

Mas há muito mais relatos de viagem que estão na minha lista de desejos. Compilei, abaixo, dicas de amigos viajantes de outros bons diários de viagem. Agradeço às viajantes e blogueiras @camilanavarro do Viaggiando,  @Marcie14 do Abrindo o Bico@pbicudo do Big Trip@reinforzato do Direto de Paris e @viajantete do Escapismo Genuíno pelas indicações. Vem com a gente!

A LISTA DE DESEJOS

DAVID BYRNE – Diários de Bicicleta

É ele mesmo, o ex-integrante do grupo Talking Heads. David Byrne há 30 anos optou pela bicicleta como seu meio de transporte principal e desde os anos 80 a usa no seu dia a dia, tanto em Nova York onde mora como nas cidades por onde faz shows. Para isto, quando viaja, leva uma bicicleta dobrável na mala 🙂 No livro ele conta das pedaladas em Londres, Sydney, Manila, São Francisco e Buenos Aires, além de Nova York. Indicação da Tete Lacerda. Não dá mesmo vontade de ler?

AIRTON OIRTZ – Expresso para a Índia

Foi a Renata Inforzato que me “apresentou” ao Airton Ortiz, um dos mais profícuos escritores brasileiros de diários de viagem.  Explorador, aventureiro, fotógrafo e escritor profissional, Airton Ortiz desde 1997 viaja pelo mundo e escreve sobre suas jornadas. Entre 1999 e 2007 escreveu nove livros, muitos deles premiados,  que vão da África a Amazônia, passando pela Índia, Egito e outros. Além do Expresso para a Índia, outros livros dele: Aventura no topo da África, Na Estrada do Everest, Pelos caminhos do Tibete, Cruzando a Última Fronteira,  Travessia da Amazônia, Egito dos faraós e Na trilha da Humanidade.

MICHELLE WEISS E ROY RUDNICK – Mundo por Terra

Uma indicação da Tete Lacerda, o  livro Mundo por Terra – Uma fascinante volta ao mundo de carro é um relato da viagem do casal Roy e Michelle, uma volta ao mundo de carro, cruzando 5 continentes, 60 países e 160.733 km, em 1.033 dias.  Interessante que o Mundo por Terra virou um projeto ainda maior, pelo qual o casal de viajantes dá palestras e faz exposições fotográficas de suas viagens. Depois da volta ao mundo, fizeram ainda uma expedição pelos desertos do Atacama e Uyuni, pela Transamazônica e pelo Paraguai, Bolívia e Peru.

FRANCES MEYES – Um ano de viagens

Li o Sob o sol da Toscana, mas confesso que achei um pouco arrastado demais. As melhores partes do livro são as receitas mesmo 🙂  Mas fiquei com mais vontade de ler o Um ano de viagens, no qual a norte-americana Frances Mayes conta da viagem que fez com o marido, Ed, pela Espanha, Portugal, França, Ilhas Britânicas, Turquia, Grécia, sul da Itália e norte da África. Este foi outra indicação da Tete Lacerda.

MARK TWAIN – The Innocents Abroad

Quando seus textos publicados em jornais norte-americanos começaram a se tornar populares, Mark Twain foi contratado pelo jornal Sacramento Union para produzir relatos das viagens que realizava. A primeira delas foi a bordo do barco a vapor Ajax, na sua viagem inaugural para o Havaí, chamado na época de Ilhas Sandwich. Em 1867 foi contratado por outro jornal, que custeou sua viagem ao Mediterrâneo, um cruzeiro com duração de cinco meses a bordo do navio Quaker City.  A viagem resultou no livro The Innocents Abroad, publicado em 1869. Uma indicação da Marcie Pellicano. Este livro não foi publicado no Brasil, mas há uma versão em português publicada em Portugal, chamada A viagem dos inocentes.

PAUL THEROUX – O safári da estrela negra

Não faltaram indicações de leitura dos livros do Paul Theroux: a Renata Inforzato, a Camila Navarro e a Paula Bicudo leram e recomendaram os livros deste que é um dos grandes escritores de diários de viagens do mundo. O safári da Estrela Negra é o relato de uma viagem do Cairo à Cidade do Cabo, pelo trajeto do rio Nilo, passando pelo Sudão, Etiópia, Quênia e Uganda, terminando na África do Sul. Viajando de trem, canoa e caminhão, Theroux mostra um retrato muito interessante da África.

N’ O grande bazar ferroviário, que é na verdade uma grande viagem de trem em veículos tão diferentes como um trem caindo aos pedaços na Índia e o trem-bala no Japão,  Theroux sai de Londres e passa pela Itália, Iugoslávia, Bulgária e Turquia. De lá atravessa o Irã, o Afeganistão e o Paquistão para chegar à Índia. Em seguida pega um trem na Birmânia e passa pela Tailândia, Malásia, Cingapura, Camboja e Vietnã. A viagem termina nos trens-bala do Japão e em um último trajeto pelo Expresso Transiberiano, cruzando o interior da União Soviética.  Demais, não é? 😀

Outro livro no qual Theroux narra uma viagem de trem, passando pela Rota da Seda, é o Trem fantasma para a Estrela do Oriente.

 

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Semana passada, em um texto sobre o Daniel Piza,  comecei a falar sobre literatura de viagem. Que abrange desde os livros de viagem propriamente ditos, ou ‘diários de viagem’, que relatam percursos e jornadas – até os livros que nos levam a viajar por outras culturas.

Este tema de literatura de viagem foi também objeto de discussão em um grupo virtual de leitoras viajantes. E foi neste grupo que surgiu a ideia de fazermos uma blogagem coletiva sobre os cinco livros que marcaram nossa vida de leitoras. Aproveitando o tema, escolhi falar sobre os cinco ‘diários de viagem’ que mais me marcaram.

Que inspirem outros leitores viajantes 🙂

CINCO LIVROS  DE VIAGEM QUE ME MARCARAM

AMYR KLINK – Cem dias entre céu e mar

Foi o primeiro diário de viagem que li, ainda adolescente. Amyr narra sua primeira travessia solitária a remo no Atlântico Sul, entre o Brasil e a África, realizada em 1984, uma jornada de 3.700 milhas e 100 dias pelo Atlântico.  O livro podia ser chato, mas Amyr descreve toda a preparação da viagem, seus sentimentos durante o planejamento, a emoção da partida e da chegada, as conversas com os objetos e animais que aparecem no seu caminho durante a travessia, com muita prosa e um quê de poesia. Cem dias entre céu e mar foi uma leitura bastante marcante na época em que o li, uma fase pós-adolescência e início de vida profissional na qual eu precisava de exemplos de foco, planejamento, trabalho duro e conquistas de objetivos e sonhos 🙂

JON KRAKAUER – No ar rarefeito

Li quase todos os livros deste autor, que é certamente um dos meus prediletos. Adorei Onde os homens conquistam a glória e A bandeira do Paraíso. Mas foi No ar rarefeito – um relato de viagem da sua expedição ao Everest –  que me cativou. Krakauer foi contratado por uma revista para participar e depois escrever sobre uma expedição ao topo do Everest, com o propósito de fazer uma crítica à “comercialização” do turismo de aventura nos dias de hoje. Ele não chega ao topo, mas no trajeto presencia a morte de um alpinista, encontra muitos tipos interessantes e se depara com uma série de problemas, como o excesso de lixo deixado pelos turistas. Krakauer faz justamente um contraponto ao Klink, já que mostra pessoas que querem realizar um sonho e atingir uma meta, mas sem o planejamento e preparo necessários.  Acho sensacional como ele consegue intercalar os relatos e descrições com doses de aventura, suspense, visão crítica e sem preconceitos.

TIZIANO TERZANI – Um adivinho me disse

Escrito por um jornalista italiano que viveu na Ásia, o livro nasceu de uma visita que fez a um “adivinho”, que lhe recomenda não viajar de avião durante um ano de sua vida, que é 1993. Terzani então passa o ano todo viajando a pé, de barco, de ônibus, de carro e de trem por vários países asiáticos, entre eles Burma, Tailândia, Laos, Cambodia, Vietnam, China, Mongólia, Japão, Indonésia, Singapura e Malásia. As viagens mais lentas possibilitam a ele ter mais contato com a população dos lugares por anda passa e rende boas histórias. Ele, inclusive, faz da consulta a adivinhos um hábito durante toda a jornada. Tendo em vista as transformações sofridas neste pedaço de mundo nos últimos anos, imagino que várias das descrições dos países visitados estejam defasadas. Mas em geral ele dá uma ideia muito boa de como vivem os povos asiáticos nos países (naquela época, pelo menos) ainda pouco “contaminados” pelo mundo moderno e pela influência ocidental. Leitura muito bacana para quem pretende conhecer estes países.

HANS CHRISTIAN ANDERSEN – Travels

Sim, o escritor dinamarquês de livros infantis foi um viajante e escreveu textos interessantes sobre suas viagens, que foram reunidos em um livro chamado Travels (sem tradução em português). Uma dica da Marcie. Andersen conta sobre suas viagens pela Europa Ocidental e Oriental, passando pela França, Alemanha, Áustria, Itália, Grécia, Turquia, Romênia e Hungria, entre outros países, em uma época que viajar não era comum e nem fácil. O mais bacana no livro é tomar contato com a personalidade deste autor de histórias tão famosas e que cativam até hoje, como “A Pequena Sereia”, “A Princesa e a Ervilha” e o “O Patinho Feio”.  Andersen é uma figura, um tanto ingênuo e suscetível a críticas, por vezes cômico nas descrições e observações, por outras detalhista e ótimo cronista. Nas andanças pela Europa ele encontra grandes nomes das Artes (Heine, Liszt, Mendelssohn, Victor Hugo e Balzac, por exemplo), outros tantos tipos anônimos interessantes e visita uma série de lugares. É curioso perceber que os viajantes só mudam mesmo de época e de endereço 🙂

JOSÉ SARAMAGO – A viagem do elefante

Este livro é diferente dos demais, porque não narra a viagem de uma ou mais pessoas, mas a jornada de um elefante de verdade mesmo 🙂 Foi o único livro de Saramago que li, e muita gente mais escolada nas leituras deste autor português acha este livro leve demais. Talvez seja por isto que gostei dele…  Saramago teve a ideia do livro quando, durante uma viagem a Áustria, entrou em um restaurante em  Salzburgo chamado ‘O Elefante’ e ouviu a história do elefante que cruzou a Europa, entre Lisboa e Viena, como um presente de casamento do rei de Portugal D. João III ao arquiduque austríaco Maximiliano II. Uma delícia de ler este livro, cheio das sutis ironias do Saramago, principalmente criticando a burocracia, o poder e os excessivos salamaleques e gastos de um governo.

Semana que vem, minha lista de desejos de outros ‘diários de viagem’ muito bacanas!

 

Participam desta blogagem coletiva:

Camila Navarro do Viaggiando

Helô Righetto do Básico e Necessário

Karine Fontes do  Caderninho da Tia Helo

Luciana Betenson do Rosmarino

Mari Campos do Pelo Mundo

Mo Gribel do Por Onde Andei

Renata Inforzato do Direto de Paris

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Em grupos de discussão no Facebook, que reúnem pessoas que gostam  muito de ler e de viajar, surgiu o tema dos livros de viagem. Diria que são duas as categorias. A dos livros de viagem propriamente ditos, ou os diários de viagem, que relatam viagens, percursos, trilhas. E outra dos livros que nos levam a viajar por  culturas diferentes.  Como leitora e viajante contumaz, gosto muito dos dois tipos.

Pois esta primeira categoria de livros me lembrou muito do Daniel Piza, um cara sensacional que, infelizmente, foi embora muito cedo deste nosso mundo. Tenho muita saudade dos textos do Daniel, um cara extremamente culto e bastante maduro para a idade, que escrevia textos sempre muito ponderados.

Há um do Daniel, em especial, que tirei do jornal O Estado de S. Paulo e pendurei junto a outros textos queridos no meu mural no escritório. Este texto, do qual recortei sem querer a data, foi escrito por ocasião da Copa do Mundo na África do Sul em 2010 e chama-se O vento do mundo.

Como sempre, um baita texto do Daniel. Do qual divido com vocês algumas passagens.

“É uma expressão que li no jornalista H.L. Mencken, “to feel the wind of the world on your face”, quando falava da necessidade do jornalista e escritor  de ver as coisas por si próprio, de se mexer e viver experiências que não fazem parte de suas origens sociais e/ou geográficas.”

“…qualquer pessoa só terá a ganhar se sair do seu mundinho, abrindo a cabeça para outras realidades, ainda que incômodas. Somos condicionados de muitos modos pela criação que tivemos, o que significa que precisamos nos recriar para nos ver melhor, e nada como ter contato com outras classes e culturas para perceber os condicionamentos.”

“A boa narrativa de viagem não é escrita com facilidade. O escritor precisa vencer boa parte dos preconceitos e fazer um novo encontro entre a sua subjetividade e aquilo que objetivamente viu e viveu; precisa combinar o pessoal e o informativo, o ponto de vista e o desprendimento, a crônica e o ensaio.”

Daniel Piza, no texto, indica uma série de livros de viagem bacanas. São eles:

    • Ébano, de Riszard Kapuscinsky: “Kapuscinsky viajou décadas por quase todos os cantos da África, e essa coletânea é a melhor introdução ao seu trabalho.”
    • O Safári da Estrela Negra, de Paul Theroux: “Theroux conta uma viagem inacreditável que fez: desceu do Cairo até a Cidade do Cabo, nos mais variados meios de transporte, conversando sempre com os habitantes.”
    • Sir Richard Francis Burton, de Edward Rice: “biografia do explorador e erudito Sir Richard Francis Burton, uma narrativa poderosa de sua busca pela foz do Nilo e sua conversão ao islamismo”.
    • Arabian Sands, de William Thesinger: “Thesinger virou lenda com suas viagens e seu estilo; sua obra mais famosa, Arabian Sands, é estudada em todos os cursos do gênero”. (sem tradução para o português)
    • Journey without maps, relato de Graham Greene sobre a Libéria. (sem tradução para o português)
    • African Diary, de Bill Bryson. (sem tradução para o português)

Claro que estes livros foram para a minha loooonga lista de livros para ler. Paul Therox é bastante conhecido e já foi recomendado por muita gente. Bill Bryson é um escritor do qual já li outros livros e gosto muito.

Mas este assunto ainda rende muita conversa. Nas próximas semanas, uma lista compilada por mim e por amigos de bons livros de viagem. E, mais para frente, recomendações também de livros que viajam por outras culturas, tão bacanas para ler antes de ir para algum lugar.

Saudades, Daniel.

 

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Muita gente torce o nariz quando digo que incluo, sempre que possível, museus nas programações de viagem com os filhos. Tem desde pais que acham que criança só gosta de praia, piscina, parque de diversões e compras até aqueles que fazem muxoxo dizendo que nós vamos aos museus porque queremos, e não por eles.

É claro que nós gostamos de museus, mas nossas viagens com os filhos são preparadas de acordo com os interesses deles em primeiro lugar. E os museus estão lá porque achamos que eles vão gostar. E eles gostam! Até hoje (quase) não erramos 🙂

Assim, aqui vão algumas dicas para quem viaja com os filhos, quer incluir museus e fazer destes um passeio divertido. Vamos lá.

 Existe museu de todo tipo

A gente sabe mas às vezes esquece que museu não é só de arte ou história 🙂 Pesquise bem os museus existentes no local para onde você vai, levando em conta a idade, o sexo e a maturidade do seu filho. Nós, por exemplo, temos dois meninos pré-adolescentes e aprendi que eles gostam muito de coisas assustadoras, armas e artefatos de  guerra, bichos, esportes e meios de transporte. Ou seja, os museus que fizeram mais sucesso até hoje foram o Museu do Futebol em São Paulo-SP, o Museu da TAM em São Carlos-SP, o Imperial War Museum  em Londres, o Air and Space Museum e o Natural History Museum em Washington e o Intrepid em Nova York.  Obs. menção (des)honrosa seja dada aos museus de cera, que são uma maravilha para as crianças e normalmente o terror  dos pais, principalmente pelas longas filas e salas lotadas. Muna-se de paciência e vá, eles adoram 🙂

Mesmo os museus menos lúdicos valem a pena

Não dá para ficar apenas nos museus mais lúdicos. Pais que gostam de museus em geral já podem engajar os filhos na Arte e na História. E os museus de arte e históricos têm, sim, atrações que interessam a eles. Por exemplo, o British Museum tem a seção de múmias, que meus filhos adoraram.  No Metropolitan há uma seção de cavalos e cavaleiros em armaduras completas e muitas espadas. Eles também gostaram das grandes esculturas  antigas nestes dois museus.

Mas levar criança em museu de arte requer um planejamento cuidadoso. É importante que os pais façam uma pré-seleção de algumas obras importantes/interessantes do museu para visitar e façam uma lição de casa antes de ir ao museu. Na hora da visita, o ideal é fazer o percurso direto por estas obras e explicar pra as crianças conceitos, ideias e curiosidades. Esta foi a nossa estratégia para a visita ao Museu do Prado. Nossa lição de casa, neste caso, foi o Guia do Museu do Prado da Patricia do blog Turomaquia, que recomendo muito.  Outra ideia:  se os pais dominam a língua do local, muitas vezes vale a pena pegar um tour guiado, que normalmente não dura mais do que uma ou duas horas. Os pais podem dar uma ajudinha nas traduções e o passeio fica mais dinâmico.

Lojinha de museu é muito bacana

Lojinha de museu é muito legal e eles curtem tanto quanto a gente!  Normalmente há brinquedos e livros diferentes das lojas normais e é uma ótima maneira de lembrar depois das obras que eles viram no museu. Deixe-os explorar as lojinhas e levar uma lembrança para casa. E vai dar mais vontade de visitar outros museus no futuro. A melhor loja de museu que já vi na vida foi a do Spy Museum em Washington. Se passar por lá, não perca, divertida para crianças e adultos também!

Paradas para descanso e comida são obrigatórias

Sou daquelas capazes de andar 4 ou 5 horas em um museu sem descanso 🙂 Mas criança é diferente. Eles cansam muito mais rápido e ficam entediados. Assim, o ideal no caso dos museus maiores é dar uma parada para ir ao banheiro, tomar alguma coisa, fazer um lanche sentados. E depois continuar o passeio pelo  museu. O Marcio do blog Janela Laranja, que tem bastante experiência de viagens com criança pequena,  lembrou também que é importante, no caso dos pequenos que são bem menos flexíveis, respeitar os horários de fome e sono.

Brincar no museu pode sim

Quando digo brincar, não quero dizer brincar com as obras do museu e nem brincar de pega-pega ou esconde-esconde pelos seus corredores 🙂

Muitos museus hoje em dia são interativos ou têm atrações e brincadeiras para as crianças. O Museu do Futebol, a Estação Ciência (não sei quais as condições em que se encontra hoje, mas meus filhos aproveitaram muito há alguns anos) e o Espaço Catavento em São Paulo são bons exemplos de museus interativos. Muitos museus nos EUA permitem que as crianças entrem em espaçonaves e outros artefatos. Os museus Smithsonian em Washington tem cinemas I-Max que passam filmes em 3D relacionados ao tema em exposição, além de simuladores de voo e outras brincadeira interativas. Respire fundo, abra a carteira novamente e entre na fila do brinquedo. Faz parte do show!

No caso das crianças pequenas, o Marcio do Janela Laranja deu a ótima ideia de levar brinquedos ao museu. Quando a criança cansa, os pais podem dar uma paradinha para ela brincar com algo que já está familiarizada. E de lambuja os pais podem revezar. Um fica com a criança brincando e o outro passeia no museu. O museu também pode virar cenário de brincadeiras. Quando o Marcio levou a filha de 3 anos ao Espaço Catavento, em São Paulo, depois da visita o lugar virou cenário de brincadeiras: “O jardim do museu Catavento fica no antigo Palácio das Indústrias. Não deu outra, depois de visitar o museu ficamos brincando que lá era o palácio das princesas. Resumindo, a visita do museu vira uma grande brincadeira, com muita coisa nova e interessante para eles verem”.

Outras estratégias de sucesso

Muito importante: lembre-se de deixar o mais interessante para o fim! Assim, quanto maior for o cansaço, mais bacanas ficam as atrações a ser visitadas. Outra coisa: não se atenha (muito) ao planejamento. Já houve ocasiões em que achei que meus filhos gostariam de algo e eles acharam chato. Pule logo esta parte e siga em frente, sem dó. Por fim: museu com criança, pela minha experiência, não dura mais do que 2 ou 3 horas. Eles cansam mesmo! A programação deve levar em conta este período de estada total no museu, mesmo para aqueles museus enormes e com vários andares.

E aproveitem! Museu é uma ótima ocasião para os pais brincarem e interagirem com os filhos 🙂

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Sempre procurei ajudar instituições, mas nunca tive com elas envolvimento pessoal. Até dois anos atrás, quando comecei o trabalho no Pró-Família de Ribeirão Preto e mergulhei em um projeto social de longo prazo. Não só por ter mais tempo e disponibilidade, mas também pela identificação com a equipe de voluntárias do Pró.

O trabalho do Pró Família teve início em 1994 com um grupo de apoio à gestante na Favela da Mangueira, em Ribeirão Preto, onde vivem cerca de 1.500 pessoas. Este trabalho levou à criação de uma escola de educação infantil onde atualmente são atendidas 104 crianças de 2 e 5 anos; além das palestras, cursos e oficinas para as mães e famílias da comunidade.

Além da eficiência e seriedade,  a turma de voluntárias do Pró é gente engajada, simples, tranqüila e alto astral, que pega no pesado se for preciso e com quem não há tempo ruim.

Convidada pela Leca, comecei a fazer um trabalho semanal na Oficina de Costura e Ponto-Cruz. Lá encontrei a Dani, a Cláudia e outras voluntárias que hoje são amigas queridas. O projeto da Oficina é ensinar, orientar o trabalho e fornecer material para as mulheres da comunidade criarem produtos que são vendidos no bazar no final de ano. Além da Oficina, este ano iniciei e venho tocando um novo projeto, um curso de culinária de aproveitamento de alimentos.

Enfim, tudo isto para falar do livro “Receitas de Família – volume 2” 🙂

Iniciamos este trabalho em fevereiro do ano passado. As voluntárias do Pró foram atrás de amigos e familiares para conseguir receitas não só “de família”, mas também “aquelas que você faz e que todo mundo elogia, que são uma tradição na sua casa”. E as receitas foram chegando.

Tem de tudo um pouco para se tornar um livro “de bancada” de qualquer um que goste de cozinhar. Tem desde receitas sofisticadas como um pato marinado no vinho tinto ou um stinco de cordeiro com polenta trufada, até receitas simples como bolo de chocolate e panqueca. E tem o básico que todo mundo gosta, como uma boa massa de torta salgada, um cabelinho de anjo bem comfort food, um bom pão doce, uma boa receita de biscoito.

O trabalho do livro foi feito “a muitas mãos”. A Marcia, que tocou o projeto de coletar as receitas, eu que fiz a revisão delas, a Daniela que negociou com a editora a publicação do livro, a Roberta que idealizou os patrocínios e liderou a equipe atrás deles, a Elisa que trabalhou duro para o lançamento e a divulgação do livro, e as outras que estavam lá para toda obra, inclusive para abrir e carregar caixas pesadas né Sossô, Fernanda, Leca, Cláudia?

Enfim, não é porque é meu filho, mas o livro ficou lindíssimo 😀 Desde a introdução simples e bonita da Rosana à capa, ilustrada por uma pintura de cena de piquenique em família feita pela Lolô Junqueira especialmente para ilustrá-lo. A primeira tiragem do livro vem numa linda embalagem de pano em dois modelos, tipo “sacolinha” ou tipo “saquinho”.

Quer um? Para quem está em Ribeirão Preto, o livro está à venda em diversos pontos como Casa Affonso, Carla Amorim/Dei Due, Mercovino, Mabruk, Dona Flor, Maria Cabeleireira, Antonio Bernardo, Montage Interiores, Platino Cabeleireiros e Paraler. Preço: R$ 50,00. Para quem é de fora de Ribeirão Preto, posso mandar o livro pelo correio. O valor do correio para envio de impresso por Registro Módico fica por volta de R$5,00.

Semana que vem tem receita do livro aqui e sorteio de um exemplar para os leitores do Rosmarino. Não percam!
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Turismo de aventura está na moda. E não falo aqui do turismo praticado por aventureiros, que põem uma mochila nas costas e saem por aí, para o que der e vier. Quero tecer algumas considerações sobre o turismo de aventura para leigos, ou seja, para nós que viajamos com filhos, que já não estamos na mais tenra idade e nem na mais perfeita forma física, que já queremos um mínimo de conforto e, se possível, unir as aventuras a experiências gastronômicas e outras 🙂

Mas por que escrever sobre isto? Porque tenho observado nas viagens que fiz ultimamente uma parcela de brasileiros seduzidos pela moda do turismo de aventura, pelas lindas fotos tiradas por um amigo, pelo status de dizer que foi a este ou aquele lugar – mas que não estão minimamente preparados para este tipo de viagem. E que vão ter suas expectativas um pouco – ou muito – frustradas. E convenhamos, para quase todos nós mortais o tempo e o dinheiro para as férias são bens escassos e precisam ser muito bem aproveitados.

Ou seja, quem quer fazer uma expedição pelas geleiras da Patagônia, pelo deserto do Atacama, pelos rios e florestas da Amazônia, pelas dunas e manguezais dos Lençóis Maranhenses ou ainda um safári na África, entre outros destinos, tem que estar ciente de certos aspectos inerentes a este tipo de turismo. E ver se esta é, de fato, a sua praia. Ou se seria melhor curtir uma praia de verdade, com areia, sol, mar e muito sossego.

Vamos lá.

Turismo de aventura com conforto é caro

Sim, não tem jeito. Os hotéis onde o turismo de aventura é praticado, sejam eles confortáveis ou luxuosos, normalmente ficam no meio do nada: na selva, no deserto, nas geleiras, etc. É quase sempre difícil e caro manter uma estrutura nestes locais, trazer suprimentos e treinar pessoas. E a maioria destes hotéis tem um comprometimento com a sustentabilidade: procuram interferir o mínimo possível na Natureza, promovem programas de reaproveitamento e reciclagem e prestam serviços à comunidade (por exemplo, os guias do Explora Atacama dão aulas de inglês para as crianças da cidade de São Pedro do Atacama), ações que podem encarecer ainda mais a operação do local. Ou seja, só vá se você curte muito este tipo de aventura. Vi gente nestes hotéis que se recusa a acordar cedo para os passeios ou deixa de fazer vários deles para ficar lagarteando na piscina. Nada contra isto, mas financeiramente não compensa mesmo 🙂

Respeite os horários e o ritmo da Natureza

Estes hotéis onde se pratica turismo de aventura com conforto (ou luxo) são quase como um acampamento: há horários rígidos para acordar, não se pode atrasar para os passeios e em alguns casos é preciso acordar de madrugada mesmo. Por exemplo, nos safáris na África durante o verão sair tarde significa não ver muitos animais, pois eles se escondem por causa do calor. No Atacama, os gêiseres só aparecem de manhã bem cedo. E experimente andar pelo deserto mais árido do mundo entre 11 da manhã e 3 da tarde! Ou seja, é necessário respeitar o ritmo da Natureza. A pontualidade também é um elemento essencial, já que os passeios normalmente exigem veículos adaptados ao clima e relevo do local, as distâncias são grandes, é necessário ter gente treinada e equipamentos de segurança, pelo que os passeios normalmente são montados para grupos e não individualmente e não dá para simplesmente dormir mais meia hora e deixar todo mundo esperando.

Fique ciente das intempéries

Quando a gente lida com a Natureza, está sujeito às intempéries. Se chover, simplesmente não dá para fazer o safári, já que o carro é aberto. Andou horas e não viu nenhum animal interessante? Acontece. Em alguns lugares as estradas de acesso são precárias e quando chove algumas ficam intransitáveis e simplesmente não dá para fazer determinados passeios. Foi fazer o passeio para observar as baleias e elas não apareceram? Faz parte. Não dá para apertar um botão como na Disney para ver as maravilhas da Natureza. Isto é muito importante principalmente em relação às crianças, pois precisamos gerenciar muito bem suas expectativas neste tipo de viagem. Paciência, não adianta esbravejar, são riscos inerentes ao turismo de aventura.

Prepare-se para passar desconforto

Turismo de aventura, mesmo com conforto ou luxo, demanda algum desconforto e é preciso estar preparado para isto. Primeiro, como já falei acima, a questão dos horários rígidos e de ter que acordar algumas vezes de madrugada. Prepare-se ainda para passar frio, passar calor, ficar no vento, engolir uma montanha de pó, sacolejar num veículo desconfortável por horas, ficar com o sapato cheio de areia ou com a garganta seca, ser comido pelos bichos. Não gostou da ideia? Desista do turismo de aventura, melhor ir mesmo curtir uma praia, andar ao léu pelas ruas de alguma cidade charmosa ou fazer um cruzeiro, o que te apetecer mais.

Porém, se você topar encarar todos estas questões com espírito esportivo, disposição e paciência, será recompensado com grandes emoções e com algumas das experiências mais incríveis que uma pessoa pode ter na vida. Poucas coisas são tão bacanas como o silêncio do deserto ou das geleiras e suas paisagens contrastantes, o som da selva e a observação dos animais vivendo no seu mundo, como se você não estivesse lá. Ou andar a pé dentro de uma floresta e poder explorá-la. Certamente compensa, e muito!


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Acordei cedo, nem ouvi o despertador tocar. Li o jornal, tomei café e liguei o computador. Nada. Nenhum som, nenhuma luz. Tudo morto. Já com vontade de chorar, ligo para o namorado para pedir ajuda. O telefone também mudo. Espumando de ódio, volto à cozinha para interfonar para a portaria, claro que deve haver algum problema com a rede do prédio. O interfone mudo me faz ultrapassar a preguiça e me visto para descer. O Paulo, zelador, desnorteado: “Ô Dona Marina, eu vi mesmo que a manhã estava muito calma, sem interfone tocando, mas aí o pessoal já começou a descer desesperado! Ninguém sabe ainda o que está acontecendo, mas é uma pane geral”.

Pego o carro e vou ao dentista. A Débora me avisa: “Dona Marina, a Dra. Alessandra já deve estar chegando, não consigo falar no celular dela, ela não vai gostar porque os computadores, o telefone, tá tudo sem funcionar!”. A Alê chega e entro na sala, estamos indignadas e repetimos várias vezes o que parece ser o bordão da Copa, “não estamos preparados”.

Saio e vou para o escritório. Caos total. Não adianta ficar ali mesmo, resolvo ir pessoalmente ao fórum ver os processos que precisam ser vistos hoje. Achei que o trânsito estaria péssimo, mas as ruas estão tranquilas. Estaciono e atravesso a Praça João Mendes. Parece tão mais limpa do que da última vez em que vim aqui… Encontro a Ana e outros amigos advogados que tiveram a mesma ideia de vir pessoalmente ao fórum. Em meio às reclamações e elocubrações, fico sabendo que nasceu o bebê da Mara e do Daniel, que a Beta está grávida de um menino, que a Norma casou e está em lua de mel na Itália e que a Joana passou no vestibular, em primeiro lugar. Tomamos um café sem pressa, ninguém tem muito o que fazer, e resolvemos visitar o Henrique na Liberdade ali ao lado. Saio do centro às 5 da tarde, feliz, e volto ao escritório só para deixar a papelada (coisa mais antiga) e dar as noticias dos processos para o meu sócio. Trabalho um pouco numa contestação (como o tempo rende sem interrupção de email, Twitter e Facebook) e resolvo visitar meus pais.

Chego lá e minha mãe: “Filha, você está viva! Estava tão preocupada”. “Por que mãe?”Ah, porque a gente fica sem conseguir se comunicar e fica nervosa né?”. Sento para jantar com eles, estava com vontade mesmo desta sopa de lentilhas da minha mãe, está um frio hoje. Tomo um vinho com meu pai e conversamos sobre a vida, a família. Eles me contam que resolveram sair da casa, que já ficou grande demais para os dois, e que vão procurar um apartamento. Parecem felizes com a decisão. Contam da próxima viagem. Não tenho pressa nenhuma em ir para casa, vazia das redes sociais.

Vou para casa finalmente, tomo um banho e mergulho no livro que estava parado e surpresa, é muito bom. Vou dormir. Acordo com o despertador do celular e por um momento esqueço do que aconteceu no dia anterior. Entro no Twitter e o assunto é só este, a pane geral das comunicações. Ligo a TV e fico sabendo que o problema afetou o mundo todo e que vai gerar bilhões em prejuízos.

Já saio atrasada e esbaforida porque perdi tempo demais no Twitter. No escritório, todo mundo com teorias do que pode ter acontecido no Dia da Marmota geek. Faço coro com as minhas impressões, mas já com um pouco de saudades de ontem.

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