Mais amor, por favor
Postado por Luciana em 24 abril 2014

foto mais amor por favor

Estou na fila do caixa no supermercado. Na minha frente, já no caixa, uma pessoa passando suas compras. Entre eu e ela, um carrinho cheio, aparentemente sem dono. Aguardei a pessoa no caixa terminar e perguntei se o carrinho era dela. Resposta negativa. Olhei em volta e fui afastando o carrinho para passar as minhas compras. Nisso, chegam os donos do carrinho. Um casal de senhores, com um pacotinho de amido de milho na mão, expressões desconcertadas no rosto. Pedi desculpas e recoloquei o carrinho deles na minha frente. Profusas desculpas. Um não achara o amido de milho, o outro foi ajudar, deixou o carrinho alguns minutos, etc. E um grande espanto pela minha compreensão em deixá-los continuar à frente. E assim começou o assunto: como as pessoas hoje em dia estão impacientes, nervosas, bravas. Não há mais educação, falta gentileza.

Mais tarde, estacionando em uma destas lojas gigantes de esportes, presenciei uma cena bizarra. Uma pessoa aguardando vaga para estacionar. Chega outra e, entrando no seu carro que estava parado em uma vaga de deficientes, solta o seguinte: “estou saindo, estacione aqui”. Pelo que ouve de volta: “desculpe, mas não sou deficiente”. Gritos e xingamentos. Do primeiro, o que estava saindo.

Na mesma semana, vi uma senhora tentar embarcar no trem do metrô e ser empurrada e xingada por outro senhor, porque estava “demorando muito”. E novamente surgiu o assunto, entre todos ali, da falta de educação e gentileza, da impaciência e do nervosismo de todo dia.

Para completar, dias depois vivi uma cena constrangedora (não para mim) no trânsito. Estava dirigindo por Pinheiros e diminui a velocidade para procurar um lugar onde nunca tinha ido, do qual só tinha o número da casa. De repente, a pessoa de trás buzina longamente e, ao passar por mim, me manda um ‘dedo do meio’. Cena normalíssima neste nosso atual cenário paulistano – não fosse uma pessoa conhecida. Que, aliás, ficou super sem graça quando me viu.

Enfim, estórias que serviram para me fazer pensar em um assunto que tem incomodado bastante: a questão da educação. Não estou falando só de boas maneiras. Mas também da educação civil, do comportamento em sociedade, do senso de coletividade. E mais ainda, da gentileza, da tolerância com os enganos e erros do dia a dia.

Não há dúvida que em um país onde as coisas não funcionam direito e há um alto grau de impunidade, as pessoas fiquem mais inseguras e tendam a brigar mais pelos seus direitos, a fazer justiça pelas próprias mãos. A sensação é de desamparo, de estar por sua conta e risco. Mas acho que a falta de educação e a intolerância dos paulistanos já está atingindo um nível epidêmico. Já estão entranhadas de tal forma no nosso cotidiano que achamos normal buzinar a torto e a direito, por exemplo, porque alguém demorou um pouquinho para sair com o carro no semáforo.

Morei fora de São Paulo por quase 15 anos. Voltamos no ano passado e confesso que, neste primeiro ano de volta, entrei com tudo no clima bélico da cidade. Não levava desaforo para casa. Tentava – inutilmente claro – educar os motoristas e pedestres pelas ruas de São Paulo. Virei fiscal das vagas de deficientes. E por aí vai. Toda uma gama de neuras de procurar educar as pessoas para viver melhor em sociedade. Cansei.

Acho que o segredo para isto tudo melhorar está também em um comportamento aparentemente contrário. Não digo que virei uma pessoa acomodada, que aceita os desmandos da anti-cidadania. Mas estou mais tolerante. Mais paciente. Mais bem-humorada.

Continuo recebendo diariamente fechadas e buzinadas. Mas agora respiro fundo e presto atenção na música que toca no rádio. Tento ser mais leve.

A pessoa que me deu um ‘dedo do meio’ sumiu. Tudo bem. Faz parte daquele grupo lamentável de pessoas que é muito educada e gentil com os amigos. Ou nas situações normais. Mas vira um touro bufante quando está ao volante de um carro. Quando o garçom traz o prato errado. Quando alguém entra correndo na sua frente no metrô. Quando o manobrista demora para trazer o carro. O quando alguém deixa um carrinho de supermercado desatendido na sua frente 🙂

Estas situações, infelizmente, são corriqueiras e vão acontecer, volta e meia. E em algumas ocasiões você até vai ter razão. Mas não é motivo para perder a calma. Para ser grosseiro. O mundo está precisando de mais educação, mas não só. Também de mais calma, mais tolerância, mais paciência, mais gentileza. Se todos fizerem um esforço para refletir a respeito, já teremos um mundo um pouquinho melhor. Mais amor, por favor.

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20 Comentários
  1. Excelente texto, Lu. E excelente postura. Mais leve e feliz.

    • Que bom que gostou, Marcie! Assim fica tudo melhor, né? Beijos 🙂

  2. Boa reflexão.

    A Ju, minha esposa, me alerta que não irei mudar o mundo. Estes pequenos delitos permitidos ou jeitinho como os outros falam me cansam.

    Acho que estou precisando voltar para minha analista, tem dia que isso tudo me desanima, principalmente na perspectiva do mundo que meu filho irá viver.

    Bom saber que não estamos sozinhos.
    @GusBelli

  3. Falta compreensão e paciência. Ainda não consigo exercitar ambos com a frequência que deveria.
    Ontem presenciamos uma cena dessas causada pela falta de comunicação. Em uma feira de vinhos, estávamos experimentando alguns Beaujolais quando um grupo pediu para experimentar o pinot noir do produtor. O francês explicou em um confuso inglês que não tinha pinot e indicou o próximo stand. Dois homens daquele grupo ficaram revoltados e xingaram o expositor. Ficamos tão sem graça que achamos melhor nem tentar explicar aos exaltados.

    • Que horror Nina! Mas é bem isto, mesmo. As pessoas já começam brigando. Já partem do princípio que estão sendo enganadas, passadas para trás. Precisamos mudar um pouco isto, viver com mais leveza, sem perder nossa capacidade de nos indignar. Beijos,

  4. Lu, infelizmente a coisa anda bem do jeito que você descreveu. A exceção é a gentileza, a boa vontade e a gente até se espanta quando nos tratam bem 🙁

    • Justamente, Lu! Mas vamos tentando mudar a cara desta cena. Se cada um fizer um pouquinho, viveremos em um mundo melhor. Beijos!

  5. Muito bom, Lu!

    Um vídeo para ilustrar: http://www.youtube.com/watch?v=RMZ3bsrtJZ0 😉

    Beijão.

    • Hahahahaa! Adorei, Re! Conheço vários “cidadãos do bem” que se transformam atrás de um volante. Beijos 🙂

  6. ótimo post Lu – as vezes quando ajo assim de impulso, depois me arrependo profundamente e morro de vergonha, portanto tento me policiar cada vez mais. Ja aconteceu muitas vezes de eu me pegar esbarrando de proposito em turista que anda devagar na rua.. ridiculo né? e quando eu sou turista, e ando devagar e alguem é grosso e passa voando do meu lado, eu acho ruim. tenho que fazer muita auto avaliacao!

    • Verdade, Helô. Eu também faço este exercício diariamente. Porque uma coisa é falar, outra é fazer né? Mas pensar a respeito já é um bom começo. Beijos 🙂

  7. Excelente, Lu! No fundo, o que falta hoje no brasileiro, na minha opinião, é lembrar que vivemos em sociedade. É lembrar que, além do nosso umbigo, existe um monte de gente que co-existe conosco no país e que a vida em sociedade pressupõe respeito pelo outro. Se todo mundo lembrasse daquela máxima “a sua liberdade termina onde começa a do outro”, acho que nosso dia-a-dia seria muito, mas MUITO mais leve e feliz.

  8. Adorei a reflexão Lu, mas confesso que fico put@ quando vejo barbaridade pela rua…
    Mas acho que esse tipo de comportamento, como você disse, tem muito a ver com o ambiente que a gente vive. No Brasil e aqui nos Estados Unidos o povo é meio mal humorado por natureza e qualquer coisa é motivo pra buzina, irritação e afins…
    Quando morava no Canadá a coisa era tão mais legal, até o Kiko que era super estressado no trânsito ficou mais relax… incrível!
    Mas temos que começar por nós mesmo… esperar que a sociedade mude para a gente seguir não adianta. Temos que dar o exemplo, e esperar que as pessoas o sigam 🙂
    bjão

    • Exatamente! Podemos começar dando o exemplo, quem sabe né Mi? Já é um passo. Beijos!

  9. Ótimas reflexões, Lu! Mas se engana quem pensa que essa falta de gentileza é coisa de brasileiro. Dia desses aqui na França passei por uma (mais uma) situação do tipo. Concordo com a sua postura de preferir respirar fundo e confesso que tenho dificuldades de engolir seco uma grosseria, principalmente quando eu estava sendo gentil. Mas ter que passar por isso em outra língua é ainda pior! São códigos que eu não domino, comportamentos sociais que eu desconheço. Dá uma vontade enorme de arrrumar as malas e voltar (eu ando de bode com a França e oprincipal motivo é a falta de gentileza e humanidade das pessoas). Enfim, um amigo que mora em Londres relatou esses dias com o mesmo olhar delicado e crítico que o seu, as incivilidades no transporte público inglês, dá uma olhada;
    https://www.facebook.com/ernanial/posts/10152048165056440

    Um beijo!

    • Obrigada Mi! De fato ter que lidar com as indelicadezas em outra língua e com comportamentos sociais a que não estamos acostumados é difícil, mesmo. Este é o ônus de morar fora… Olha, no Brasil as pessoas são mais humanas, mas nem um pouco gentis. viu? Vou ler o artigo do seu amigo. Tenho ótimas lembranças da Inglaterra, onde sempre fui muito bem tratada – ao contrário da França 😛 Beijos!

  10. Lu, queria so comentar uma coisa bem random: não sei porque mas tenho estado com vc no pensamento todo tempo nestes últimos 12 dias. E educação..ah, acho que isto eh um mal das grandes cidades. Vejo cenas tristes ao pegar o trem pela manha, ao pegar o metro para ir ate Canary Wharf aonde trabalho. Faco minhas as tuas palavras. Colocastes tudo muito bem neste post. Temoms que nos policiar para não cair na mesmice.

    • Oi Valentina, obrigada, que bom que gostou 🙂 Estes últimos 12 dias foram bem difíceis pra mim… minha sogra faleceu, eu senti muito, enfim. Bom saber que tem gente torcendo a favor. Gostaria muito de conhecê-la pessoalmente um dia. Beijos!

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