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Em grupos de discussão no Facebook, que reúnem pessoas que gostam  muito de ler e de viajar, surgiu o tema dos livros de viagem. Diria que são duas as categorias. A dos livros de viagem propriamente ditos, ou os diários de viagem, que relatam viagens, percursos, trilhas. E outra dos livros que nos levam a viajar por  culturas diferentes.  Como leitora e viajante contumaz, gosto muito dos dois tipos.

Pois esta primeira categoria de livros me lembrou muito do Daniel Piza, um cara sensacional que, infelizmente, foi embora muito cedo deste nosso mundo. Tenho muita saudade dos textos do Daniel, um cara extremamente culto e bastante maduro para a idade, que escrevia textos sempre muito ponderados.

Há um do Daniel, em especial, que tirei do jornal O Estado de S. Paulo e pendurei junto a outros textos queridos no meu mural no escritório. Este texto, do qual recortei sem querer a data, foi escrito por ocasião da Copa do Mundo na África do Sul em 2010 e chama-se O vento do mundo.

Como sempre, um baita texto do Daniel. Do qual divido com vocês algumas passagens.

“É uma expressão que li no jornalista H.L. Mencken, “to feel the wind of the world on your face”, quando falava da necessidade do jornalista e escritor  de ver as coisas por si próprio, de se mexer e viver experiências que não fazem parte de suas origens sociais e/ou geográficas.”

“…qualquer pessoa só terá a ganhar se sair do seu mundinho, abrindo a cabeça para outras realidades, ainda que incômodas. Somos condicionados de muitos modos pela criação que tivemos, o que significa que precisamos nos recriar para nos ver melhor, e nada como ter contato com outras classes e culturas para perceber os condicionamentos.”

“A boa narrativa de viagem não é escrita com facilidade. O escritor precisa vencer boa parte dos preconceitos e fazer um novo encontro entre a sua subjetividade e aquilo que objetivamente viu e viveu; precisa combinar o pessoal e o informativo, o ponto de vista e o desprendimento, a crônica e o ensaio.”

Daniel Piza, no texto, indica uma série de livros de viagem bacanas. São eles:

    • Ébano, de Riszard Kapuscinsky: “Kapuscinsky viajou décadas por quase todos os cantos da África, e essa coletânea é a melhor introdução ao seu trabalho.”
    • O Safári da Estrela Negra, de Paul Theroux: “Theroux conta uma viagem inacreditável que fez: desceu do Cairo até a Cidade do Cabo, nos mais variados meios de transporte, conversando sempre com os habitantes.”
    • Sir Richard Francis Burton, de Edward Rice: “biografia do explorador e erudito Sir Richard Francis Burton, uma narrativa poderosa de sua busca pela foz do Nilo e sua conversão ao islamismo”.
    • Arabian Sands, de William Thesinger: “Thesinger virou lenda com suas viagens e seu estilo; sua obra mais famosa, Arabian Sands, é estudada em todos os cursos do gênero”. (sem tradução para o português)
    • Journey without maps, relato de Graham Greene sobre a Libéria. (sem tradução para o português)
    • African Diary, de Bill Bryson. (sem tradução para o português)

Claro que estes livros foram para a minha loooonga lista de livros para ler. Paul Therox é bastante conhecido e já foi recomendado por muita gente. Bill Bryson é um escritor do qual já li outros livros e gosto muito.

Mas este assunto ainda rende muita conversa. Nas próximas semanas, uma lista compilada por mim e por amigos de bons livros de viagem. E, mais para frente, recomendações também de livros que viajam por outras culturas, tão bacanas para ler antes de ir para algum lugar.

Saudades, Daniel.

 

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Falei recentemente aqui sobre as minhas avós. Lembranças acompanhadas de uma boa fatia de bolo de maçã.

Mas hoje não tem receita. Quero apenas falar dos avôs, que também foram presenças importantes na minha vida e na minha formação.

Meu avô paterno Olavo faleceu cedo, quando eu tinha 8 anos de idade, mas ainda assim tenho boas lembranças dele. Por um lado bastante rígido e cheio de manias, de outro um homem extremamente íntegro e justo. Curtia passear com os netos e foi com ele que andei de ônibus e de metrô pela primeira vez. Aposentou-se como Corregedor Geral da Justiça de São Paulo e me lembro de quando era estagiária de Direito e vi sua foto no corredor do Tribunal de Justiça, que orgulho que me deu. No Migalhas, o desembargador aposentado Adauto Suannes uma vez contou a seguinte história: “o desembargador Olavo Lima Guimarães, que foi Corregedor Geral da Justiça nos anos 50, costumava ‘fazer visitas’ aos juízes que trabalhavam na comarca da capital. Quando não encontrava o juiz na sala, deixava um bilhete sobre a mesa dizendo ao juiz que lhe telefonasse assim que voltasse do cafezinho. Quando o telefonema não era dado no mesmo dia, ele ‘aconselhava’ o tal juiz a requerer abono da falta dada no dia anterior”. Assim era meu avô 🙂

Mas o ensejo do texto de hoje é uma perda recente. Meu avô materno Roque Figliolia nos deixou nesta última semana, aos 99 anos de idade. Viveu tanto e tão bem que nos deu até certa ilusão de que seria eterno… E teve qualidade de vida e força para viver até alguns meses atrás, quando sua chama de vida começou a se apagar. Sua partida deixa muitas saudades, mas a recordação boa de que teve uma vida completa, formou uma família linda e ajudou incontáveis pessoas. Acho um verdadeiro privilégio ter usufruído da companhia do meu avô até meus 42 anos de idade.

Aos sete anos de idade ele perdeu o pai e sua mãe, viúva aos 28 anos, cuidou dos seis filhos com muita garra. Mais tarde, suas irmãs mais velhas foram trabalhar fora para que ele pudesse cursar a faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo. Morando em São Paulo sozinho, duros tempos, um dia me confessou que deu até aulas particulares de francês para incrementar o orçamento: “Vô, mas eu nunca vi você falar francês!” E ele: “Pois é, minha filha, é que eu falo muito mal mesmo…” 🙂

Um homem contido, sério, mas de extrema bondade e generosidade. Exerceu a profissão de médico pediatra exemplarmente e jamais deixou de atender a um paciente, quem quer que fosse. Foi bastante rígido com as filhas, que colecionam histórias desta época. Minha mãe só podia sair com meu pai, na época seu noivo, se levasse o irmão de 12 anos junto… Uma vez meu avô abriu a porta para o tio Jaime, namorado da tia Inara, e foi logo recolhendo o buquê de flores que ele havia levado! Com o tio Walter, namorado da minha tia Célia, teve uma conversa ‘séria’ para saber quando seria o casório…

Minha lembrança mais legal dele foi a viagem que fizemos para Bento Gonçalves. Desde que tinha voltado de lá fiquei com muita vontade de levá-lo para conhecer o ‘berço’ da imigração italiana. Foi tão bom vê-lo curtindo cada momento do passeio, até em dialeto napolitano ele conversou com uma pessoa da cidade. Deve ter sido sua última viagem, isto foi em 2006, ele já tinha 95 anos! Foi um avô mais contido enquanto a vó Jurema era viva e mimava os netos, mas quando ela se foi de repente imbuiu-se de tal maneira de seu legado de amor e carinho que se tornou um avô muito próximo de todos os netos. Deixou um neto ‘xará’ médico que desde sempre o admirou e quis seguir seus passos, além de um bisneto também com o seu nome. E muitas lembranças e saudades em todos nós.

(agosto de 2008)

“Saudades dele… Durante esse longo período em que ele começou a adoecer, vim fazendo uma retrospectiva sobre a vida dele e toda influência que ele teve na minha. Desde ser médico, de ser sãopaulino, de não gostar de frango… Das inúmeras vezes em que recebeu amigos e familiares, atendendo em casa nos fins de semana e feriados. Nunca cobrava nada, seja de ‘gente fina’ do bairro, gente simples ou familiares dos empregados. Lembro dele contar as histórias da Medicina, das aulas de anatomia, do primeiro parto a fórceps que teve que fazer (com a passagem de trem já comprada para fazer a fuga em caso de insucesso). Da frustração por nunca ter tentado ser cirurgião só porque um professor um dia lhe causou um trauma enorme no centro cirúrgico após uma grande humilhação pela contaminação da cirurgia. Lembro bem do dia em que me deu seu jaleco branco de tecido grosso já bem amarelado, usei esse jaleco até acabar, com orgulho, nas aulas de farmácia, bioquímica e depois no hospital. E quando me perguntavam por que o jaleco estava amarelado e velho, já tinha uma resposta pronta… foi do meu avô, tenho que tratar dele direitinho, esse jaleco tem história. Da época em que estudei no Objetivo perto na casa dele só para depois das aulas ficar ouvindo seus causos médicos e sonhando em um dia quem sabe poder também ajudar as pessoas e ter histórias para contar. E das muitas visitas que me fez em Alfenas durante o curso de Medicina. Já mais adiante da alegria que teve quando passei no concurso para médico da Polícia Militar; dizia que eu estava realizando um sonho dele, já que se não pudesse ser médico, teria sido militar. Depois a época em que me perguntava todos os dias sobre nomes de medicamentos, para ver se ele ainda se lembrava deles. Nesta fase nossas conversas passaram a ser mais desgastantes para ele. porque já não conseguia mais lembrar de tudo e se cobrava demais para se manter atualizado. Grande vovô Roque… guerreiro até o fim, exemplo de vida pra mim, será que chego perto do que ele foi um dia?” (Roque)

Roque I, Roque II e Roque III (fevereiro de 2011)

“Entre tantas lembranças do vovô, lembro-me que ele me falava sempre quando era criança que eu era ‘encostante’, pois vivia me encostando nele, pedindo colo! E, depois, quando cresci e fui morar sozinha, ele me disse: “Menina, não sei como você gosta de morar sozinha… eu odeio ficar sozinho!” E eu acho que é assim que ele estava se sentindo nos últimos tempos, apesar de toda a família estar sempre, sempre, por perto. E agora devemos acreditar que ele não se sentirá mais sozinho, pois vai junto de sua amada e querida vovó Jurema. Pode parecer incoerente, mas apesar da tristeza e da falta que ele vai fazer (e que falta!), eu estou feliz e quero celebrar esta vida maravilhosa que ele teve e esta pessoa tão especial que ele sempre será para mim”. (Juliana)

“Tenho muitas recordações do vovô Roque. Era um homem honesto e dizia sempre que ‘se o malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto por malandragem’. Meu avô não gostava de ir a igrejas ou discutir religião. Mas no íntimo do seu quarto, orava em voz alta e lia a palavra de Deus. Para mim é como se tivesse tido dois avôs em um só. Lembro de um avô bem bravo, que não deixava colocar os pés na poltrona ou que se ficasse de conversa ‘fiada’ ao telefone. Esse avô bravo sofreu uma grande transformação depois que a vovó Jurema se foi. Como ele mesmo dizia, virou um Leão sem jubas. Um novo homem, mas a mesma essência. Gostava de jantar cedo, no máximo às 18h30 e nesse momento aproveitávamos para conversar. Ele contava da sua família; de quando foi professor e colocou um aluno com carteira e tudo pra fora da sala de aula; da época de faculdade quando almoçava e pedia uma “água torneiral” para não gastar mais dinheiro. Duas épocas me marcaram bastante. Primeiro durante a novela Rei do Gado, essa novela trazia muitas recordações para o vovô e ele ficava contando suas histórias. E também durante o trabalho do Nonato (fisioterapeuta que trabalhou com meu avô e virou um amigo) com ele, pois sentávamos juntos, o Nonato contava seus casos… Era muito gostoso, o vovô ficava muito feliz com aquele momento. Chorar e relembrar faz parte. Mas me sinto feliz agora, pois já não aguentava mais ver meu avô sem poder se comunicar, sem ter o brilho e a alegria de viver. Faz parte da vida. Como ele mesmo dizia, começamos a envelhecer e morrer desde o momento que nascemos. Vovô Roque e vovó Jurema nos ensinaram um precioso e raro valor nos tempos de hoje, o valor da família! Tenho muito orgulho por fazer parte da família Figliolia”. (Danira)

“Além das histórias e exemplos há coisas mais corriqueiras que ficam na memória. Me lembro que, logo depois da morte da vovó, os netos solteiros (eu, Danirinha e Estêvão) fizemos um revezamento para dormir na casa dele e desta forma não deixá-lo sozinho nenhum dia, já que sabíamos o quanto ele detestava isso. Isto durou um ano. Dani e Este, vocês se lembram do ferrolho na porta da casa, que “baixava” todas as noites, às 22h? E, teoricamente, quem não estava em casa ficava para fora… Pelo menos era o que ele dizia, mas sinceramente nunca fiquei para fora, e muitas vezes cheguei depois das 22h! Depois de um tempo ele percebeu que isso não funcionava mais e desistiu do ferrolho.  Enquanto morei com ele, passava as noites de quarta-feira assistindo o jogo de futebol na TV. Veja bem, não gosto de futebol! É óbvio que no meio do primeiro tempo já estava dormindo no sofá e meu avô me acordava no final do jogo para ir dormir, acho que só a companhia já deixava ele contente.  São muitas lembranças e muito que aprendi com ele… O que todos nos aprendemos com ele”.(Maíra)

Como disse seu neto Estevão, foi uma honra ter sido sua neta, vô. Vai com Deus e descanse em paz.

(Natal de 2008)

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A @liliantrigo e a @fezoca estavam no Twitter ontem falando sobre avós. Me deu uma saudade das minhas… Curti muito minhas avós, cada uma a sua maneira.

Minha avó paterna viajava muito, conheceu o mundo todo junto com meu avô, juiz de direito já aposentado. Os dois são uma lição interessante para muita gente que acha que “depois de velho” não se faz mais nada. Foi só depois do meu avô se aposentar e de criarem os seis filhos que eles começaram a viajar, sem falar uma palavra de idioma estrangeiro, sem ter qualquer experiência no ramo! E minha avó Olga sempre tinha histórias interessantes para contar. Trazia para nós, de todas as viagens, uma boneca vestida com os trajes típicos do lugar que ela visitava. Temos estas bonecas até hoje, uma coleção linda. E foi com eles que comecei a pegar o gosto pelas viagens 🙂

Minha avó materna foi uma das pessoas mais amorosas, tolerantes e doces que já conheci na vida. Esposa de médico pediatra, suas atitudes e a maneira de ver a vida refletem-se até hoje no comportamento da família, muitíssimo unida. Vi poucas famílias como a da minha mãe, na qual tanta gente tão diferente convive junto e sempre bem. E este legado de bondade e tolerância da minha avó procuro seguir também na minha vida. Assim como o gosto para cozinhar, que também veio dela. Boas lembranças da macarronada ao sugo e do bolo “de Iguape”, feito com farinha de arroz, delícia que já tentei e não consigo fazer igual. Das tardes em que, assim que chegávamos, ela ligava no ‘empório’ e vinha um menino de bicicleta trazer pão francês e queijo mineiro fresquinho para acompanhar o café. Mas… voltando ao bolo 🙂

Lembrei da minha avó materna quando fiz este bolo na semana passada. A receita é antiga, eu devia ter uns 15 anos de idade quando a recortei de uma revista, que acho que era uma Cláudia Cozinha. Assei o bolo e levei na casa dos meus avós. Todos amaram. E a minha avó Jurema disse: “minha filha, não dê esta receita para ninguém, este fica sendo o seu bolo especial, aquele que todos vão pedir para você fazer!”  Já se passaram mais de 20 anos e os tempos mudaram, hoje o gostoso é justamente compartilhar com as pessoas as nossas receitas queridas. Tenho certeza que minha avó amada concordaria, ainda mais sendo quem ela era.

Espero que gostem do “meu” bolo. É um bolo fofinho com perfume de maçãs e canela, uma delícia mesmo.

Fiquem, vai ter bolo 😀

Bolo de maçã segredo de vó

100 g de manteiga à temperatura ambiente
1 xíc (chá) de açúcar branco
½ xíc (chá) de açúcar mascavo bem apertado na xícara
3 ovos
2 ¾ xíc (chá) de farinha de trigo
1 col (chá) de canela em pó
1 col (chá) de fermento em pó
1 col (chá) de bicarbonato de sódio
½ xíc (chá) de leite
2 xíc (chá) de maçã descascada ralada no ralo grosso, bem apertada na xícara
1 col (chá) de baunilha
1 xíc (chá) de passas ou nozes picadas grosseiramente (opcional)

Pré-aquecer o forno a 180ºC. Untar e enfarinhar uma forma de bolo de buraco no meio. Misturar a farinha de trigo, a canela, o fermento e o bicarbonato e reservar. Bater a manteiga e o açúcar, acrescentar os ovos um a um. Parar de bater e juntar as maçãs raladas e a baunilha. Acrescentar a mistura de farinha alternadamente com o leite. Mexer só para misturar. Adicionar as nozes e despejar a massa na forma. Assar por 30 minutos ou até o palito sair ‘limpo’.

Em tempo: esta luva de pegar coisas quentes é da Ana Sinhana, que faz muitas coisas lindas!

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