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Este é um post inicial de um projeto que espero que dê muitos outros frutos, ou posts, no futuro. E surgiu porque bastante gente me pergunta sobre os livros que estou lendo e pede dicas de leitura. E outras tantas me pedem para publicar minhas dicas de livros no blog. Voilá 🙂

Organizar as leituras quando a gente lê muito não é fácil. Achei no Goodreads uma maneira prática e gostosa de organizar minhas leituras e, de quebra, saber o que os amigos estão lendo e do que gostaram ou não gostaram. Assim, se você adora ler e lê mais de 10 livros por ano, dá uma olhada no Goodreads porque é bem legal.

Outra coisa importante para contar para vocês. Nunca gostei de largar um livro no meio. Lembro-me de sofrer com alguns livros enormes que não estavam me dando prazer algum na leitura, mas que eu achava, por alguma razão, que devia terminá-los. O tempo passa e a gente tem cada vez menos tempo na vida. E tomei a decisão de ler apenas aquilo que de fato me dá prazer, me instiga, me interessa. O método é o seguinte: a) escolho muito bem as leituras, peço dicas, leio a respeito e evito compras de impulso na livraria (que já fiz muito!); b) leio até a página 50 (quem lembra desta “comunidade” nos primórdios do Orkut??) e aí me pergunto se quero dar uma chance ao livro. É óbvio que às vezes o livro é tão bom que a página 50 passa desapercebida. Aí não tem erro mesmo 😉

Por fim, leio muito em inglês e alguns livros que vou indicar não tem ainda tradução para o português. Não se zanguem comigo. Para quem lê em inglês, todos estes títulos abaixo são facilmente encontráveis na Amazon, tanto no Kindle como em papel.

Enfim, vamos ao que interessa.

Foram 19 livros no total.

O melhor livro do semestre

UnknownDos livros que li neste primeiro semestre de 2014 o campeão e o único a receber 5 estrelas foi o The Hare With Amber Eyes: A Family’s Century of Art and Loss, ou A lebre com olhos de âmbar, livro de estreia do ceramista inglês Edmund de Waal.   O livro é  de não-ficção e conta a história da família Ephrussi através das indas e vindas de uma coleção de miniaturas japonesas, os netsukes herdados de um tio-avô. A história começa quando um membro da família que vive em Paris compra a coleção no século XIX. Esta coleção passa por Viena durante a Segunda Guerra, vive no Japão por muitos anos e termina na Inglaterra nos tempos atuais. O livro é fascinante, bem escrito, emotivo na medida certa, um encanto. Vale a leitura especialmente para quem curte biografias, história e arte. Recomendo fortemente a leitura do exemplar ilustrado do livro, de capa dura. As fotos da família e dos netsukes e outros objetos tornam a leitura mais palpável, vale a pena. Aqui, uma boa resenha sobre o livro.

Outros livros dos quais gostei muito

Unknown-2The Levels of Life, ou Os níveis da vida, do Julian Barnes. Um livrinho curto e bem singular. A ideia inicial do autor (de quem já li O sentido do fim, outro bom livro) é falar sobre o luto após a morte de sua esposa de muitos anos. Mas para isto ele divide o livro em três partes e nas duas iniciais fala sobre balonismo, história, fotografia para então entrar na terceira parte propriamente dita sobre amor e luto. Mas tudo se encaixa e faz sentido, pois são as metáforas das fases da vida que regem sua narrativa.  Um livro que não é para todo mundo, mas é lindíssimo  e profundo no seu relato de luto.

Villette da Cimagesharlote Bronté. Um livro delicioso para os fás das irmãs Bronté e da Jane Austen. E especialmente para quem leu e gostou de Jane Eyre, achei este, relativamente desconhecido, melhor ainda.

 

MEU_PESCOCO_E_UM_HORROR_1230950603PI Feel Bad About My Neck  ou Meu pescoço é um horror e outros papos de mulher, da escritora e roteirista Nora Ephron. Primeiro, relevem o título! É apenas o título de uma das crônicas que compõem este livro delicioso de ler para a mulherada de mais de 40 anos. A Nora Ephron, para quem não lembra, é aquela gênia que foi roteirista e diretora de algumas das melhores comédias românticas do passado como Sintonia de Amor (Sleepless in Seattle) e Mensagem para você (You’ve got mail) além de um dos filmes da minha vida, Harry and Sally.  São crônicas deliciosas sobre o processo de envelhecer, filhos, carreira, etc. O primeiro texto é sobre bolsas e o segundo sobre o pescoço. Persista!

422713Lilla’s Feast: One Woman’s True Story of Love and War in the Orient da Frances Osborne não tem tradução em português. Mas para quem lê em inglês e gosta de biografias de mulheres que viveram vidas cheias de aventuras este é um prato cheio. Foi escrito pela bisneta da personagem [principal, que viveu mais de 100 anos. Lilla nasceu no norte da China, viveu na Índia e passou um tempo em um campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra, onde escreveu um livro de culinária, que inclusive está exposto hoje no Imperial War Museum em Londres. Gostei muito.

9118135State of Wonder ou Estado de graça da Ann Patchett, um livro surpreendente. A personagem principal, que é americana, vai morar um tempo na Amazônia e lá passa por experiências de todo tipo. Um enredo bem original, uma história bem contada. Mesmo que para nós brasileiros algumas coisas sobre a Amazônia e os índios possam parecer inverossímeis, não há nada que comprometa. Curti bastante esta leitura

UnknownThe cellist of Sarajevo ou O violoncelista de Saravejo de Steven Galloway. Um livro lindo que narra um mesmo período de tempo das vidas de personagens bem diferentes durante o cerco de Saravejo. Seus medos, suas dúvidas, suas esperanças e desesperanças e como suas vidas se entrelaçam durante a narrativa.

Um pouco sobre os demais livros que li

Best Food Writing 2009, uma coletânea da Holly Hughes – esta coletânea de crônicas e ensaios sobre comida sai todo ano. No ano passado li uma das coletâneas de “best travel writing” e este ano quis tentar este novo tema. O problema é que alguns textos são excelentes e outros nem tanto. Mas é um bom divertimento para quem gosta de crônicas sobre comida e quer uma leitura leve, que possa ser interrompida constantemente. Não tem tradução para o português.

A solidão dos números primos do Paolo Giordano – um estilo de escrita poética, original e bonita. Foi o que valeu no livro. Mas não consegui entrar na alma dos personagens, que me pareceram muito rasos.  Uma história de amor e desencontros entre dois adolescentes problemáticos, tão singulares que são como números primos que se dividem apenas por um e por eles mesmos.

The Invisible Ones ou Invisíveis de Stef Penney – um mistério sobre um assassinato, envolvendo a comunidade dos ciganos na Inglaterra. Bem leve, sem pretensões. Gostei da história e de aprender mais sobre a vida dos ciganos.

South of the Border, West of the Sun ou A sul da fronteira, a oeste do sol do Haruki Murakami – um romance sobre um homem e suas paixões durante a vida. Narra especialmente seu encontro depois de casado com um amor de juventude.  Apenas para passar o tempo.

The Glass Palace de Amitav Ghosh, sem tradução para o português.  Um livro que foi bem indicado, mas frustrou. Um romance histórico escrito por um indiano, que começa com a invasão inglesa em Burma no início do século XX e narra a história de duas famílias ao redor das mudanças políticas, econômicas e sociais na região. Achei o autor um excelente historiador, o melhor do livro é seu panorama histórico, mas perde muito em relação aos personagens. Novos personagens vão sendo inseridos durante o livro e outros vão sendo deixados para trás. Para quem não se apega a personagens e gosta de História, pode valer a pena.

Hateship, Friendship, Courtship, Loveship, Marriage ou Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento da Alice Munro. Mais uma vez a questão dos contos. Alguns muito bons, outros chatos e sem pé nem cabeça. Não é um estilo que eu goste muito. Para quem gosta de contos e da visão feminina da vida.

The Art Forger do B. A. Shapiro, sem tradução para o português. Mais uma história de mistério envolvendo o mundo da arte e das falsificações de pinturas. Bom divertimento.

Tuesdays with Morrie ou A última grande lição – O sentido da vida do Mitch Albom. Não costumo nem gosto de ler livros de auto-ajuda, categoria na qual classificaria este livro. Li por interesse pessoal em aprender mais sobre a doença ELA (esclerose lateral amiotrófica). Apenas para os aficcionados.

The grandmothers ou As avós da Doris Lessing. Um livro instigante com uma temática difícil que pode ser desconfortável para alguns. Mas eu gostei. O livro narra sobre uma relação de amor e sexo nada convencional. Os personagens e seus dramas são bem construídos, o panorama geral é interessante, vale a pena para quem quer pensar.

The Mussel Feast da Birgit Vanderbeke, sem tradução para o português. Outro livro instigante, da categoria dos desconfortáveis, onde entram A solidão dos números primos, os contos da Alice Munro e As avós.  Um livro curtinho, narrado em primeira pessoa pela filha adolescente de uma família que espera o pai chegar para um jantar de comemoração pela sua promoção. Durante a espera ela vai falando sobre a vida da família, que em princípio parece exemplar mas que aos poucos vai desvendando seus problemas. Bem interessante.

Inferno do Dan Brown – mais do mesmo.

Não gostei  (ou talvez um dia eu dê outra chance ao Paul Theroux!)

Dark Star Safari ou Safári da estrela negra do Paul Theroux – muita gente vai me xingar, mas este livro não me pegou. Queria muito lê-lo por conta da indicação do Daniel Piza. Já escrevi sobre ele aqui. Mas achei o autor mal-humorado, preconceituoso, alguém que parece estar sendo obrigado a viajar. Nem terminei a leitura. Talvez tenha que dar outra chance a ele qualquer dia desses 😉

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Neste post comecei a falar sobre literatura de viagem e inclui uma lista de livros de viagem indicados pelo jornalista e escritor falecido, Daniel Piza.

Em seguida, na blogagem coletiva organizada pelo grupo Viaje na Leitura do Facebook, relacionei minhas leituras e recomendações de diários de viagens.

Mas há muito mais relatos de viagem que estão na minha lista de desejos. Compilei, abaixo, dicas de amigos viajantes de outros bons diários de viagem. Agradeço às viajantes e blogueiras @camilanavarro do Viaggiando,  @Marcie14 do Abrindo o Bico@pbicudo do Big Trip@reinforzato do Direto de Paris e @viajantete do Escapismo Genuíno pelas indicações. Vem com a gente!

A LISTA DE DESEJOS

DAVID BYRNE – Diários de Bicicleta

É ele mesmo, o ex-integrante do grupo Talking Heads. David Byrne há 30 anos optou pela bicicleta como seu meio de transporte principal e desde os anos 80 a usa no seu dia a dia, tanto em Nova York onde mora como nas cidades por onde faz shows. Para isto, quando viaja, leva uma bicicleta dobrável na mala 🙂 No livro ele conta das pedaladas em Londres, Sydney, Manila, São Francisco e Buenos Aires, além de Nova York. Indicação da Tete Lacerda. Não dá mesmo vontade de ler?

AIRTON OIRTZ – Expresso para a Índia

Foi a Renata Inforzato que me “apresentou” ao Airton Ortiz, um dos mais profícuos escritores brasileiros de diários de viagem.  Explorador, aventureiro, fotógrafo e escritor profissional, Airton Ortiz desde 1997 viaja pelo mundo e escreve sobre suas jornadas. Entre 1999 e 2007 escreveu nove livros, muitos deles premiados,  que vão da África a Amazônia, passando pela Índia, Egito e outros. Além do Expresso para a Índia, outros livros dele: Aventura no topo da África, Na Estrada do Everest, Pelos caminhos do Tibete, Cruzando a Última Fronteira,  Travessia da Amazônia, Egito dos faraós e Na trilha da Humanidade.

MICHELLE WEISS E ROY RUDNICK – Mundo por Terra

Uma indicação da Tete Lacerda, o  livro Mundo por Terra – Uma fascinante volta ao mundo de carro é um relato da viagem do casal Roy e Michelle, uma volta ao mundo de carro, cruzando 5 continentes, 60 países e 160.733 km, em 1.033 dias.  Interessante que o Mundo por Terra virou um projeto ainda maior, pelo qual o casal de viajantes dá palestras e faz exposições fotográficas de suas viagens. Depois da volta ao mundo, fizeram ainda uma expedição pelos desertos do Atacama e Uyuni, pela Transamazônica e pelo Paraguai, Bolívia e Peru.

FRANCES MEYES – Um ano de viagens

Li o Sob o sol da Toscana, mas confesso que achei um pouco arrastado demais. As melhores partes do livro são as receitas mesmo 🙂  Mas fiquei com mais vontade de ler o Um ano de viagens, no qual a norte-americana Frances Mayes conta da viagem que fez com o marido, Ed, pela Espanha, Portugal, França, Ilhas Britânicas, Turquia, Grécia, sul da Itália e norte da África. Este foi outra indicação da Tete Lacerda.

MARK TWAIN – The Innocents Abroad

Quando seus textos publicados em jornais norte-americanos começaram a se tornar populares, Mark Twain foi contratado pelo jornal Sacramento Union para produzir relatos das viagens que realizava. A primeira delas foi a bordo do barco a vapor Ajax, na sua viagem inaugural para o Havaí, chamado na época de Ilhas Sandwich. Em 1867 foi contratado por outro jornal, que custeou sua viagem ao Mediterrâneo, um cruzeiro com duração de cinco meses a bordo do navio Quaker City.  A viagem resultou no livro The Innocents Abroad, publicado em 1869. Uma indicação da Marcie Pellicano. Este livro não foi publicado no Brasil, mas há uma versão em português publicada em Portugal, chamada A viagem dos inocentes.

PAUL THEROUX – O safári da estrela negra

Não faltaram indicações de leitura dos livros do Paul Theroux: a Renata Inforzato, a Camila Navarro e a Paula Bicudo leram e recomendaram os livros deste que é um dos grandes escritores de diários de viagens do mundo. O safári da Estrela Negra é o relato de uma viagem do Cairo à Cidade do Cabo, pelo trajeto do rio Nilo, passando pelo Sudão, Etiópia, Quênia e Uganda, terminando na África do Sul. Viajando de trem, canoa e caminhão, Theroux mostra um retrato muito interessante da África.

N’ O grande bazar ferroviário, que é na verdade uma grande viagem de trem em veículos tão diferentes como um trem caindo aos pedaços na Índia e o trem-bala no Japão,  Theroux sai de Londres e passa pela Itália, Iugoslávia, Bulgária e Turquia. De lá atravessa o Irã, o Afeganistão e o Paquistão para chegar à Índia. Em seguida pega um trem na Birmânia e passa pela Tailândia, Malásia, Cingapura, Camboja e Vietnã. A viagem termina nos trens-bala do Japão e em um último trajeto pelo Expresso Transiberiano, cruzando o interior da União Soviética.  Demais, não é? 😀

Outro livro no qual Theroux narra uma viagem de trem, passando pela Rota da Seda, é o Trem fantasma para a Estrela do Oriente.

 

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Semana passada, em um texto sobre o Daniel Piza,  comecei a falar sobre literatura de viagem. Que abrange desde os livros de viagem propriamente ditos, ou ‘diários de viagem’, que relatam percursos e jornadas – até os livros que nos levam a viajar por outras culturas.

Este tema de literatura de viagem foi também objeto de discussão em um grupo virtual de leitoras viajantes. E foi neste grupo que surgiu a ideia de fazermos uma blogagem coletiva sobre os cinco livros que marcaram nossa vida de leitoras. Aproveitando o tema, escolhi falar sobre os cinco ‘diários de viagem’ que mais me marcaram.

Que inspirem outros leitores viajantes 🙂

CINCO LIVROS  DE VIAGEM QUE ME MARCARAM

AMYR KLINK – Cem dias entre céu e mar

Foi o primeiro diário de viagem que li, ainda adolescente. Amyr narra sua primeira travessia solitária a remo no Atlântico Sul, entre o Brasil e a África, realizada em 1984, uma jornada de 3.700 milhas e 100 dias pelo Atlântico.  O livro podia ser chato, mas Amyr descreve toda a preparação da viagem, seus sentimentos durante o planejamento, a emoção da partida e da chegada, as conversas com os objetos e animais que aparecem no seu caminho durante a travessia, com muita prosa e um quê de poesia. Cem dias entre céu e mar foi uma leitura bastante marcante na época em que o li, uma fase pós-adolescência e início de vida profissional na qual eu precisava de exemplos de foco, planejamento, trabalho duro e conquistas de objetivos e sonhos 🙂

JON KRAKAUER – No ar rarefeito

Li quase todos os livros deste autor, que é certamente um dos meus prediletos. Adorei Onde os homens conquistam a glória e A bandeira do Paraíso. Mas foi No ar rarefeito – um relato de viagem da sua expedição ao Everest –  que me cativou. Krakauer foi contratado por uma revista para participar e depois escrever sobre uma expedição ao topo do Everest, com o propósito de fazer uma crítica à “comercialização” do turismo de aventura nos dias de hoje. Ele não chega ao topo, mas no trajeto presencia a morte de um alpinista, encontra muitos tipos interessantes e se depara com uma série de problemas, como o excesso de lixo deixado pelos turistas. Krakauer faz justamente um contraponto ao Klink, já que mostra pessoas que querem realizar um sonho e atingir uma meta, mas sem o planejamento e preparo necessários.  Acho sensacional como ele consegue intercalar os relatos e descrições com doses de aventura, suspense, visão crítica e sem preconceitos.

TIZIANO TERZANI – Um adivinho me disse

Escrito por um jornalista italiano que viveu na Ásia, o livro nasceu de uma visita que fez a um “adivinho”, que lhe recomenda não viajar de avião durante um ano de sua vida, que é 1993. Terzani então passa o ano todo viajando a pé, de barco, de ônibus, de carro e de trem por vários países asiáticos, entre eles Burma, Tailândia, Laos, Cambodia, Vietnam, China, Mongólia, Japão, Indonésia, Singapura e Malásia. As viagens mais lentas possibilitam a ele ter mais contato com a população dos lugares por anda passa e rende boas histórias. Ele, inclusive, faz da consulta a adivinhos um hábito durante toda a jornada. Tendo em vista as transformações sofridas neste pedaço de mundo nos últimos anos, imagino que várias das descrições dos países visitados estejam defasadas. Mas em geral ele dá uma ideia muito boa de como vivem os povos asiáticos nos países (naquela época, pelo menos) ainda pouco “contaminados” pelo mundo moderno e pela influência ocidental. Leitura muito bacana para quem pretende conhecer estes países.

HANS CHRISTIAN ANDERSEN – Travels

Sim, o escritor dinamarquês de livros infantis foi um viajante e escreveu textos interessantes sobre suas viagens, que foram reunidos em um livro chamado Travels (sem tradução em português). Uma dica da Marcie. Andersen conta sobre suas viagens pela Europa Ocidental e Oriental, passando pela França, Alemanha, Áustria, Itália, Grécia, Turquia, Romênia e Hungria, entre outros países, em uma época que viajar não era comum e nem fácil. O mais bacana no livro é tomar contato com a personalidade deste autor de histórias tão famosas e que cativam até hoje, como “A Pequena Sereia”, “A Princesa e a Ervilha” e o “O Patinho Feio”.  Andersen é uma figura, um tanto ingênuo e suscetível a críticas, por vezes cômico nas descrições e observações, por outras detalhista e ótimo cronista. Nas andanças pela Europa ele encontra grandes nomes das Artes (Heine, Liszt, Mendelssohn, Victor Hugo e Balzac, por exemplo), outros tantos tipos anônimos interessantes e visita uma série de lugares. É curioso perceber que os viajantes só mudam mesmo de época e de endereço 🙂

JOSÉ SARAMAGO – A viagem do elefante

Este livro é diferente dos demais, porque não narra a viagem de uma ou mais pessoas, mas a jornada de um elefante de verdade mesmo 🙂 Foi o único livro de Saramago que li, e muita gente mais escolada nas leituras deste autor português acha este livro leve demais. Talvez seja por isto que gostei dele…  Saramago teve a ideia do livro quando, durante uma viagem a Áustria, entrou em um restaurante em  Salzburgo chamado ‘O Elefante’ e ouviu a história do elefante que cruzou a Europa, entre Lisboa e Viena, como um presente de casamento do rei de Portugal D. João III ao arquiduque austríaco Maximiliano II. Uma delícia de ler este livro, cheio das sutis ironias do Saramago, principalmente criticando a burocracia, o poder e os excessivos salamaleques e gastos de um governo.

Semana que vem, minha lista de desejos de outros ‘diários de viagem’ muito bacanas!

 

Participam desta blogagem coletiva:

Camila Navarro do Viaggiando

Helô Righetto do Básico e Necessário

Karine Fontes do  Caderninho da Tia Helo

Luciana Betenson do Rosmarino

Mari Campos do Pelo Mundo

Mo Gribel do Por Onde Andei

Renata Inforzato do Direto de Paris

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Em grupos de discussão no Facebook, que reúnem pessoas que gostam  muito de ler e de viajar, surgiu o tema dos livros de viagem. Diria que são duas as categorias. A dos livros de viagem propriamente ditos, ou os diários de viagem, que relatam viagens, percursos, trilhas. E outra dos livros que nos levam a viajar por  culturas diferentes.  Como leitora e viajante contumaz, gosto muito dos dois tipos.

Pois esta primeira categoria de livros me lembrou muito do Daniel Piza, um cara sensacional que, infelizmente, foi embora muito cedo deste nosso mundo. Tenho muita saudade dos textos do Daniel, um cara extremamente culto e bastante maduro para a idade, que escrevia textos sempre muito ponderados.

Há um do Daniel, em especial, que tirei do jornal O Estado de S. Paulo e pendurei junto a outros textos queridos no meu mural no escritório. Este texto, do qual recortei sem querer a data, foi escrito por ocasião da Copa do Mundo na África do Sul em 2010 e chama-se O vento do mundo.

Como sempre, um baita texto do Daniel. Do qual divido com vocês algumas passagens.

“É uma expressão que li no jornalista H.L. Mencken, “to feel the wind of the world on your face”, quando falava da necessidade do jornalista e escritor  de ver as coisas por si próprio, de se mexer e viver experiências que não fazem parte de suas origens sociais e/ou geográficas.”

“…qualquer pessoa só terá a ganhar se sair do seu mundinho, abrindo a cabeça para outras realidades, ainda que incômodas. Somos condicionados de muitos modos pela criação que tivemos, o que significa que precisamos nos recriar para nos ver melhor, e nada como ter contato com outras classes e culturas para perceber os condicionamentos.”

“A boa narrativa de viagem não é escrita com facilidade. O escritor precisa vencer boa parte dos preconceitos e fazer um novo encontro entre a sua subjetividade e aquilo que objetivamente viu e viveu; precisa combinar o pessoal e o informativo, o ponto de vista e o desprendimento, a crônica e o ensaio.”

Daniel Piza, no texto, indica uma série de livros de viagem bacanas. São eles:

    • Ébano, de Riszard Kapuscinsky: “Kapuscinsky viajou décadas por quase todos os cantos da África, e essa coletânea é a melhor introdução ao seu trabalho.”
    • O Safári da Estrela Negra, de Paul Theroux: “Theroux conta uma viagem inacreditável que fez: desceu do Cairo até a Cidade do Cabo, nos mais variados meios de transporte, conversando sempre com os habitantes.”
    • Sir Richard Francis Burton, de Edward Rice: “biografia do explorador e erudito Sir Richard Francis Burton, uma narrativa poderosa de sua busca pela foz do Nilo e sua conversão ao islamismo”.
    • Arabian Sands, de William Thesinger: “Thesinger virou lenda com suas viagens e seu estilo; sua obra mais famosa, Arabian Sands, é estudada em todos os cursos do gênero”. (sem tradução para o português)
    • Journey without maps, relato de Graham Greene sobre a Libéria. (sem tradução para o português)
    • African Diary, de Bill Bryson. (sem tradução para o português)

Claro que estes livros foram para a minha loooonga lista de livros para ler. Paul Therox é bastante conhecido e já foi recomendado por muita gente. Bill Bryson é um escritor do qual já li outros livros e gosto muito.

Mas este assunto ainda rende muita conversa. Nas próximas semanas, uma lista compilada por mim e por amigos de bons livros de viagem. E, mais para frente, recomendações também de livros que viajam por outras culturas, tão bacanas para ler antes de ir para algum lugar.

Saudades, Daniel.

 

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Sempre procurei ajudar instituições, mas nunca tive com elas envolvimento pessoal. Até dois anos atrás, quando comecei o trabalho no Pró-Família de Ribeirão Preto e mergulhei em um projeto social de longo prazo. Não só por ter mais tempo e disponibilidade, mas também pela identificação com a equipe de voluntárias do Pró.

O trabalho do Pró Família teve início em 1994 com um grupo de apoio à gestante na Favela da Mangueira, em Ribeirão Preto, onde vivem cerca de 1.500 pessoas. Este trabalho levou à criação de uma escola de educação infantil onde atualmente são atendidas 104 crianças de 2 e 5 anos; além das palestras, cursos e oficinas para as mães e famílias da comunidade.

Além da eficiência e seriedade,  a turma de voluntárias do Pró é gente engajada, simples, tranqüila e alto astral, que pega no pesado se for preciso e com quem não há tempo ruim.

Convidada pela Leca, comecei a fazer um trabalho semanal na Oficina de Costura e Ponto-Cruz. Lá encontrei a Dani, a Cláudia e outras voluntárias que hoje são amigas queridas. O projeto da Oficina é ensinar, orientar o trabalho e fornecer material para as mulheres da comunidade criarem produtos que são vendidos no bazar no final de ano. Além da Oficina, este ano iniciei e venho tocando um novo projeto, um curso de culinária de aproveitamento de alimentos.

Enfim, tudo isto para falar do livro “Receitas de Família – volume 2” 🙂

Iniciamos este trabalho em fevereiro do ano passado. As voluntárias do Pró foram atrás de amigos e familiares para conseguir receitas não só “de família”, mas também “aquelas que você faz e que todo mundo elogia, que são uma tradição na sua casa”. E as receitas foram chegando.

Tem de tudo um pouco para se tornar um livro “de bancada” de qualquer um que goste de cozinhar. Tem desde receitas sofisticadas como um pato marinado no vinho tinto ou um stinco de cordeiro com polenta trufada, até receitas simples como bolo de chocolate e panqueca. E tem o básico que todo mundo gosta, como uma boa massa de torta salgada, um cabelinho de anjo bem comfort food, um bom pão doce, uma boa receita de biscoito.

O trabalho do livro foi feito “a muitas mãos”. A Marcia, que tocou o projeto de coletar as receitas, eu que fiz a revisão delas, a Daniela que negociou com a editora a publicação do livro, a Roberta que idealizou os patrocínios e liderou a equipe atrás deles, a Elisa que trabalhou duro para o lançamento e a divulgação do livro, e as outras que estavam lá para toda obra, inclusive para abrir e carregar caixas pesadas né Sossô, Fernanda, Leca, Cláudia?

Enfim, não é porque é meu filho, mas o livro ficou lindíssimo 😀 Desde a introdução simples e bonita da Rosana à capa, ilustrada por uma pintura de cena de piquenique em família feita pela Lolô Junqueira especialmente para ilustrá-lo. A primeira tiragem do livro vem numa linda embalagem de pano em dois modelos, tipo “sacolinha” ou tipo “saquinho”.

Quer um? Para quem está em Ribeirão Preto, o livro está à venda em diversos pontos como Casa Affonso, Carla Amorim/Dei Due, Mercovino, Mabruk, Dona Flor, Maria Cabeleireira, Antonio Bernardo, Montage Interiores, Platino Cabeleireiros e Paraler. Preço: R$ 50,00. Para quem é de fora de Ribeirão Preto, posso mandar o livro pelo correio. O valor do correio para envio de impresso por Registro Módico fica por volta de R$5,00.

Semana que vem tem receita do livro aqui e sorteio de um exemplar para os leitores do Rosmarino. Não percam!
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Quem me acompanha no Twitter já me viu comentar algumas vezes sobre este livro do David Lebovitz, The Sweet Life in Paris. Um daqueles livros que a gente lê sem ver o tempo passar, ‘economizando’ e ficando até com saudades dele depois que acaba. Me peguei sorrindo e até rindo alto sozinha com ele por aí.

O grande barato do livro é que o David Lebovitz, além de ser um bom blogueiro/autor de livros de culinária, é também um excelente cronista de costumes. Neste livro ele relata com bastante franqueza suas frustrações e seus choques culturais como americano vivendo em Paris, usando na medida certa doses de humor e de fina ironia, e desta forma passando uma imagem positiva da sua vida em uma cidade que lhe era totalmente estranha.

Tendo mudado de cidade duas vezes nos últimos 10 anos, vivi os inevitáveis choques culturais e paguei minha cota de micos. Mas, além deles, tive surpresas agradáveis e conheci muita gente bacana. A ideia – óbvia mas que muita gente não saca tão facilmente – é focalizar no que o novo lugar tem de bom para oferecer e procurar usufruir ao máximo disto. E relevar os micos. E se adaptar à cultura, não exigindo que ela se adapte a você.

“What helped was that I understood the food and tried my best to adapt to the culture, rather than trying to make the culture adapt to me”(D. Lebovitz)

No livro há episódios muito engraçados, como quando ele descreve suas táticas para não ser ‘esmagado’ pelas pessoas nas filas. Ou quando tenta entender a obtusa burocracia francesa. Ou ainda quando descreve os percalços domésticos de alguém que não sabe nem falar direito a língua nativa e precisa ‘expulsar’ um pintor que não termina nunca seu trabalho na casa. Isto já é difícil no seu país e língua natais, imaginem em outro idioma 😉 E ele consegue ser tão crítico com os parisienses quanto com os americanos que dão seus foras visitando Paris.

Entre receitas bacanas e dicas dos seus lugares prediletos na cidade, e no meio das experiências frustrantes, chateações e estranhezas, David nos diz que há muita coisa bacana para ver e aprender. E que a vida é boa 🙂

“Everyday in Paris isn’t always so sweet. Although I’ve tried my best to fit in, no matter where you plant yourself, there’s certain to be ups and downs. I embarked on a new life in Paris without knowing what the future would hand me. Because of that, my life’s turned into quite an adventure, and I often surprise myself when I find that I’m easily mingling with the locals, taking on surly salesclerks, and best of all, wandering the streets in search of something delicious to eat” (D. Lebovitz)

Para dar mais sabor a este post e como aperitivo do livro, aqui vai a receita dele que melhor descreve o estilo do David Lebovitz – picante e doce na medida certa, para abrir o apetite e deixar a gente feliz.

Spiced nut mix

2 xíc (chá) ou 270 g de castanhas variadas: nozes, amêndoas, amendoins, nozes pecãs, avelãs, castanhas-de-caju ou castanhas-do-pará
1 col (sopa) ou 15 g de manteiga com sal derretida
3 col (sopa) ou 45 g de açúcar mascavo
½ col (chá) de canela moída
1 col (chá) de pimenta chilli em pó
2 col (sopa) de maple syrup
½ col (chá) de cacau em pó
1 ½ col (chá) de flor de sal (ou sal grosso)

Pré-aqueça o forno a 180º C. Espalhe as castanhas em uma assadeira e leve ao forno por 10 minutos. Enquanto isso, numa vasilha grande misture a manteiga, o açúcar mascavo, a canela, o chilli em pó, o maple syrup e o cacau em pó. Jogue as castanhas já mornas na vasilha dos temperos e misture bem. No fim, polvilhe o sal.

OBS. A @fezoca e a @entrepanelas também fizeram posts legais que mencionam este livro aqui e aqui.

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Muito difícil falar de religião. E até por isto relutei em escrever uma resenha do livro The God Delusion, do Richard Dawkins. Mas o livro desperta curiosidade e várias pessoas me pediram a opinião sobre ele. Vamos lá. É bom começar esclarecendo minha posição sobre religião, para que o leitor possa conhecer a “lente” pela qual enxergo o tema. Na prática, sou mezzo católica e mezzo anglicana (acabando em pizza mesmo), filosoficamente sou extremamente aberta a quaisquer ideias religiosas (ou não-religiosas!), desde que sigam o preceito básico da tolerância (já falei sobre educação com tolerância neste post).

Há duas historinhas, provavelmente lendas bonitinhas, mas que mostram bem como penso a religião. A primeira diz que Gandhi, quando perguntado a que religião pertencia, respondeu: “Sou Hindu, sou Muçulmano, sou Judeu, sou Cristão e sou Budista”… Outra diz que o Dalai Lama, quando perguntado qual seria a melhor religião do mundo, respondeu que era “aquela que te faz ser uma pessoa melhor”. E serve como uma luva esta placa que fotografei na frente de um centro de ioga no Village, em Nova York.

True is one. Paths are many.

Dito isto, foi com ‘boa’ pré-disposição que iniciei a leitura deste livro. Gosto de temas que desafiam, que mostram outras maneiras de entender um pré-conceito e que nos fazem pensar. O autor acerta muito em chamar a atenção para a questão da posição privilegiada que a religião tem hoje no mundo. De fato, há uma presunção geral de que a religião é especialmente vulnerável às ofensas; organizações religiosas baseadas em qualquer crença, seja antiga ou moderna, criada há mil anos ou ontem, têm em quase todos os lugares isenção de impostos e facilidades políticas. Organizações religiosas têm uma liberdade quase ilimitada (nos EUA inclusive sustentada pela jurisprudência) de exercer preconceitos e disseminar o ódio e a intolerância. A Primeira Emenda da Constituição norte-americana garante a liberdade de expressão, desde que esta expressão não dissemine ódio – já a liberdade religiosa não tem esta limitação.

Como cientista, o autor sustenta que a existência de Deus é uma hipótese científica como qualquer outra. Como biólogo, baseia muito sua tese de que Deus não existe na teoria da evolução. Assim, em última instância, quer provar que qualquer inteligência criativa e suficientemente complexa existe somente como um produto final de um extenso processo de evolução gradual e não de uma inteligência superior e sobrenatural. E diversos exemplos vêm disto: as pessoas são boas não porque querem um lugar no reino dos Céus, mas porque necessitam disto para sobreviver na natureza – nosso altruísmo seria genético, para preservar a espécie.

Mas o autor peca por duas razões principais. Primeiro, é um tanto arrogante e fala demais de si mesmo e dos embates e discussões que já teve. Segundo, mostra-se tão apaixonado pelo tema que comete um pecado mortal para um cientista – na máxima de Carlos Maximiliano, “apaixonar-se não é argumentar”. Dawkins é muito cuidadoso e ‘preciosista’ com pesquisas, números e argumentos contrários à religião, mas não age da mesma forma do outro lado. Assim, abusa um pouco de estatísticas traiçoeiras e manhosas.

Exemplos estão abaixo, se não quiser spoilers, pule os três próximos parágrafos.

Na página 102, o autor menciona que uma pesquisa feita com um “grande número de americanos selecionados aleatoriamente” (quantos seriam ‘um grande número’?) mostra que quanto maior o grau acadêmico, menos religiosa é a pessoa; e que a religiosidade é inversamente proporcional ao interesse pela ciência e o liberalismo político. Questiono muito esta estatística que provavelmente é restrita a um pequeno universo e cujas conclusões são temerosas. Outro exemplo: na página 229, menciona um texto e estatísticas que dizem que “embora a filiação político-partidária nos EUA não seja um perfeito indicador de religiosidade, números mostram que a violência e a criminalidade são maiores nos Estados dos congressistas cristãos conservadores”…

Na página 249 menciona um cientista Prêmio Nobel que diz: “religião é um insulto para a dignidade humana. Com ou sem ela, teremos pessoas boas praticando o bem e pessoas más praticando o mal” – até aí, tudo bem. Mas fecha muito mal sua colocação inicialmente ponderada: “mas para pessoas boas fazerem o mal, é preciso a religião”. Mais um exemplo de argumentação que descamba para a paixão: na página 259, o autor reconhece que “a religião é um rótulo para a inimizade ente grupos e para a vingança – não necessariamente pior que outros rótulos como cor da pele, idioma, ou time de futebol, mas frequentemente à disposição quando outros rótulos não estão” (?)…

Muitas vezes usa os argumentos conforme sua conveniência: na página 273, quando fala de Hitler e Stalin, diz que “não importa se Hitler ou Stalin eram ateus, mas se o ateísmo sistematicamente influencia as pessoas a fazerem o mal. Não há a menor evidência que o faz” (Mas a religião sim…?! Com base nas generalizações e estatísticas que ele colhe ao acaso). O mesmo argumento usa para a guerra. Mas o fato do ateísmo não levar às guerras não necessariamente significa que a religião leva! Não sou nenhuma historiadora, mas pelo pouco que estudei vejo que as guerras no mundo quase sempre têm uma motivação econômica por trás, normalmente de escassez – seja de dinheiro, de empregos, de terras, de recursos naturais. Ainda que hoje em dia tenhamos a ‘Guerra Santa’ explodindo por aí. E por vezes as guerras são fruto de fenômenos como Hitler e Stalin – passando por Idi Amin Dada e Pol Pot – cujos denominadores comuns não têm qualquer relação com religião e são o carisma, o poder, a loucura e a maldade.

Quase sempre, no livro, os religiosos são pintados como fanáticos, violentos e irracionais. O autor não considera que existem milhares de religiosos pacíficos e ponderados no mundo! Os exemplos de ponderação são quase sempre de não-religiosos. Ele dá exemplos de cartas e emails violentos enviados para sites que pregam o ateísmo. Ora, maluquice não é privilégio de religiosos não – tenho amigas que tem blogs de culinária e já foram ameaçadas de morte. Tem louco para tudo no mundo. Para mim, a pior parte do livro é a referência à pedofilia. Se não quiser mais um spoiler, pule esta parte.

Na página 316, Dawkins fala sobre os pedófilos. Diz que a “histeria contra os pedófilos assumiu proporções epidêmicas e vem levando os pais ao pânico”. Menciona que um jornal britânico de segunda linha iniciou em 2000 uma campanha que incentivava a violência contra os pedófilos, motivado por um crime real, a morte de uma garota de 8 anos que foi sequestrada e estuprada. Mas o autor chega ao ponto de afirmar: “no entanto, é claramente injusto jogar sobre todos os pedófilos uma vingança apropriada apenas à pequena maioria que também é assasina”. Como é?? Muita bondade e compreensão para quem é implacável com os religiosos. Chega a dizer que nas três escolas que freqüentou havia professores “cuja afeição por meninos pequenos ultrapassava as barreiras do que era apropriado” – mas que mesmo assim o autor se “sentiu obrigado a vir na defesa deles, inclusive como vítima de um deles (em uma experiência embaraçosa mas que não deixou danos)”. Não entendo como ele pode achar isto muito melhor do que os padres professores que ameaçavam as crianças com o fogo do Inferno. Questão de opinião, mesmo.

Ele advoga a extinção de Igrejas e de padres, citando exemplos de pessoas traumatizadas por experiências de infância com padres que aterrorizavam prometendo castigos, o Inferno, etc. Ora, se for assim, devemos abolir também as escolas por conta daqueles professores que não ameaçam com o castigo de Deus, mas são capazes de dizer a um aluno que ele é ‘burro’ e que ‘não vai ser nada na vida’, como existem casos por aí. Isto é melhor de alguma forma? Devemos culpar a totalidade de escolas e professores por estes exemplos isolados? Então não podemos também culpar a totalidade das Igrejas e padres.

Voltando à tese do livro, o autor observa que a religião preenche quatro lacunas na vida humana: explicação, exortação, consolação e inspiração. Concordo com o autor quando ele diz que, historicamente, a tarefa de explicar nossa existência e a natureza do Universo no qual nos encontramos já foi – melhor dizendo, vem sendo – suprida pela Ciência. Por exortação o autor quer dizer instruções morais, ou como devemos nos comportar. Parte disto de fato se deve à solidariedade da espécie, como o autor defende, mas na minha opinião ainda há muito que explicar. Assim como os contos de fadas ajudam às crianças a expor seus medos e levam ao auto-conhecimento, também a religião pode satisfatoriamente fazer isto. Claro, a religião como nós, eu e você, a praticamos e não a religião fundamentalista que é tão ruim como qualquer outro meio de disseminação de proconceitos, ódio e intolerância. Na difícil questão do consolo, o autor usa uma argumentação muito frágil. Compara a religião com os amigos imaginários e as muletas de afeto das crianças, como chupetas e cobertores. Ele quer dizer que, quando amadurecemos, teoricamente não necessitamos mais destas muletas psicológicas par vivermos bem e felizes.

Tão difícil entrar nesta seara… eu mesma não consigo escapar do consolo que a religião oferece no caso da morte de pessoas queridas. Preciso, quero e acredito que minha avó, que foi uma mãe para mim e cuja morte senti muito, está lá (onde quer que seja este lugar) nos vendo e zelando por nós, que ela de alguma forma conheceu os meus filhos e acompanha a minha vida. Possivelmente sou um ser humano imaturo, mas enfim, difícil achar quem não seja.

Por fim, sobre a inspiração, o autor pega mais leve e diz que “é uma questão de foro íntimo e o método de argumentação que vai usar é mais retórico que lógico” Tenta trabalhar na abertura dos horizontes e na ampliação da nossa visão, mas não convence. Não vejo porque tirar os benefícios da religião utilizada para esta função. Já saí de algumas missas muito inspirada, de alma leve, tendo aprendido alguma coisa interessante. E acho que isto vale para milhares de pessoas. Mesmo que algumas vezes a inspiração seja usada para o mal.

Mas leia o livro! Gostaria muito de ouvir outras opiniões. Obs. 1 Li o livro em inglês, assim as traduções para o português deste texto são todas minhas. Aceito críticas. Obs. 2 Este texto foi originalmente publicado no blog A Roupa Nova do Rei.

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