Este título não é meu, foi “emprestado” de uma piada bonitinha, mas cheia de significado, que ilustra bem o tema de hoje. Diz que um sujeito estava colocando flores no túmulo de um parente, quando vê um chinês colocando um prato de arroz na lápide ao lado. Ele se vira para o chinês e pergunta: “- Desculpe, mas o senhor acha mesmo que o defunto virá comer o arroz?” E o chinês responde: “- Sim, logo depois que o seu vier cheirar as flores!” A moral da história: “respeitar as opções do outro, em qualquer aspecto, é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. As pessoas são diferentes, agem diferente e pensam diferente. Portanto, não julgue… Apenas tente compreender”.
Comecei pelo fim, agora voltemos ao começo. A ideia de escrever sobre intolerância veio da leitura deste texto muito interessante, “Entre os muros da outra escola”, escrito pela repórter Eliane Brum para a revista Época. Quem ainda não leu, vale a pena! Ela diz no texto que “as escolas talvez sejam as maiores reprodutoras de desigualdade. Não apenas na questão da qualidade, que determina destinos. Mas no convívio cotidiano, no (não) exercício da solidariedade e do respeito às diferenças. Seja nas públicas ou nas privadas, o que encontramos é uma convivência entre iguais. Nossos filhos não conhecem a diferença, não são beneficiados pela riqueza da diversidade. Não conjugam a tolerância. Quando confrontados com a diferença – e não apenas a socioeconômica –, expulsam-na”. É aí que comecei a pensar.
Acredito que a escola tenha sua parcela de responsabilidade para coibir a intolerância e até casos mais graves de bullying, mas a verdade é que as crianças são, em muito, um retrato dos próprios pais. A menina do texto acima diz que seus colegas “são que nem os pais deles. Nessa coisa das marcas, do dinheiro. Mas quem cria meus colegas, mesmo, não são os pais. Eles nunca ficam com eles. Eles estão trabalhando ou em jantares. Meus colegas são criados pelas babás. Elas são as mães de verdade deles”. Sim, em muitos casos isto é verdade. Mas este argumento é muito cômodo e conveniente para nós os OUTROS pais que estamos presentes na vida dos filhos, que somos participativos.
Pensemos historicamente: a História nos mostra que os grandes conflitos e guerras têm quase sempre um motivo “econômico” por trás. Mas o pavio que acende a pólvora das crises econômicas é quase sempre a intolerância – étnica, religiosa, social. Acredito piamente que este seja o maior mal do mundo moderno. E, com honrosas exceções, da História em geral. Até por isto nos policiamos mais nestas questões. O duro é quando a intolerância assume outras facetas mais sutis e mais difíceis de ser detectadas do que a intolerância religiosa ou étnica, para qual estamos mais “treinados”.
Quase todo mundo concorda com este discurso de tolerância, em tese. O problema é a prática! O que vejo em muitos pais – inclusive em mim mesma – são comportamentos, atitudes e valores que denotam intolerância, mas de uma forma mais sutil e por vezes imperceptível. Abrindo um parêntese: fui criada numa família muito tolerante com tudo e cresci convivendo com ideais de tolerância (como por exemplo através do CISV). Mas não escapo das armadilhas do dia a dia. Ficamos sem carro e a seguradora nos “emprestou” um carro popular por uma semana. Cheguei em casa rindo e dizendo que agora íamos andar uma semana no “ximbica”, que precisava de um guindaste para mexer a direção, etc. Meus filhos riram junto. Em frações de segundos me toquei que aquele carro era igual ao da nossa faxineira, que tinha trabalhado duríssimo para comprá-lo e tinha o maior orgulho dele. Sei que parece um exemplo bobo, mas não é! Mesmo porque nossos filhos não fazem e não vão fazer o que falamos, mas sim o que fazemos (vou ficar chocada se meus filhos aos 18 anos pedirem um carro novo e se recusarem a ganhar um “ximbica”…).
E por aí vai. Já ouvi zilhões de vezes amigos queridos, gente aberta, simples, bons pais, dizerem assim: “este ‘baiano’ com este carro velho não sai da minha frente’, ‘fulano é muito pão-duro, olha que presente barato me deu, ele que tem tanto dinheiro’ (como se afeição e respeito fossem medidos por dinheiro). Há outros que não criticam os demais, porém a si mesmos: ‘estou gorda e portanto sou feia’ (depois espantam-se que o filho chamou a colega gordinha da escola de feia! ‘De onde ele tirou isto??’)
Há também a excessiva valorização das coisas materiais: pais que pulam de alegria e contam sem parar das coisas que compraram, que falam para os filhos não se preocuparem, porque ‘quando papai for viajar ele traz um videogame igual o do amiguinho da escola’. Fora aqueles intolerantes de carteirinha (acho que não toleram a si mesmos) que buzinam se o carro da frente leva mais do que segundos para andar, que brigam porque alguém parou rente à vaga, que brigam porque o garçom demora, que ligam para gritar e xingar o banco, a companhia telefônica, o Papa (Calma gente! Não estou dizendo aqui que devemos ser passivos e não lutar pelos nossos direitos, mas há uma diferença grande entre sair por aí raivoso ou escolher as brigas certas e entrar nelas com educação e civilidade). Não nos iludamos, nossos filhos estão nos observando e aprendendo a agir como agimos.
É difícil, pelo menos para mim, é um exercício diário de atenção. E acho que a Eliane Brum, no seu texto, dá um caminho interessante. Precisamos estimular nossos filhos a exercer a solidariedade e o respeito às diferenças no convívio cotidiano. Não quer dizer que os pais que têm filhos nas escolas particulares de elite mudem seus filhos de escola! Mas, na medida do possível, procurem beneficiá-los com a riqueza da diversidade, freqüentando outros lugares que não o trinômio escola/clube/shopping. Procurem confrontá-los com a diferença – e não apenas a socioeconômica – para que eles possam ser seres humanos ainda mais legais que nós somos.
Obs. Este texto foi publicado originalmente no blog A Roupa Nova do Rei.