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Falei recentemente aqui sobre as minhas avós. Lembranças acompanhadas de uma boa fatia de bolo de maçã.

Mas hoje não tem receita. Quero apenas falar dos avôs, que também foram presenças importantes na minha vida e na minha formação.

Meu avô paterno Olavo faleceu cedo, quando eu tinha 8 anos de idade, mas ainda assim tenho boas lembranças dele. Por um lado bastante rígido e cheio de manias, de outro um homem extremamente íntegro e justo. Curtia passear com os netos e foi com ele que andei de ônibus e de metrô pela primeira vez. Aposentou-se como Corregedor Geral da Justiça de São Paulo e me lembro de quando era estagiária de Direito e vi sua foto no corredor do Tribunal de Justiça, que orgulho que me deu. No Migalhas, o desembargador aposentado Adauto Suannes uma vez contou a seguinte história: “o desembargador Olavo Lima Guimarães, que foi Corregedor Geral da Justiça nos anos 50, costumava ‘fazer visitas’ aos juízes que trabalhavam na comarca da capital. Quando não encontrava o juiz na sala, deixava um bilhete sobre a mesa dizendo ao juiz que lhe telefonasse assim que voltasse do cafezinho. Quando o telefonema não era dado no mesmo dia, ele ‘aconselhava’ o tal juiz a requerer abono da falta dada no dia anterior”. Assim era meu avô 🙂

Mas o ensejo do texto de hoje é uma perda recente. Meu avô materno Roque Figliolia nos deixou nesta última semana, aos 99 anos de idade. Viveu tanto e tão bem que nos deu até certa ilusão de que seria eterno… E teve qualidade de vida e força para viver até alguns meses atrás, quando sua chama de vida começou a se apagar. Sua partida deixa muitas saudades, mas a recordação boa de que teve uma vida completa, formou uma família linda e ajudou incontáveis pessoas. Acho um verdadeiro privilégio ter usufruído da companhia do meu avô até meus 42 anos de idade.

Aos sete anos de idade ele perdeu o pai e sua mãe, viúva aos 28 anos, cuidou dos seis filhos com muita garra. Mais tarde, suas irmãs mais velhas foram trabalhar fora para que ele pudesse cursar a faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo. Morando em São Paulo sozinho, duros tempos, um dia me confessou que deu até aulas particulares de francês para incrementar o orçamento: “Vô, mas eu nunca vi você falar francês!” E ele: “Pois é, minha filha, é que eu falo muito mal mesmo…” 🙂

Um homem contido, sério, mas de extrema bondade e generosidade. Exerceu a profissão de médico pediatra exemplarmente e jamais deixou de atender a um paciente, quem quer que fosse. Foi bastante rígido com as filhas, que colecionam histórias desta época. Minha mãe só podia sair com meu pai, na época seu noivo, se levasse o irmão de 12 anos junto… Uma vez meu avô abriu a porta para o tio Jaime, namorado da tia Inara, e foi logo recolhendo o buquê de flores que ele havia levado! Com o tio Walter, namorado da minha tia Célia, teve uma conversa ‘séria’ para saber quando seria o casório…

Minha lembrança mais legal dele foi a viagem que fizemos para Bento Gonçalves. Desde que tinha voltado de lá fiquei com muita vontade de levá-lo para conhecer o ‘berço’ da imigração italiana. Foi tão bom vê-lo curtindo cada momento do passeio, até em dialeto napolitano ele conversou com uma pessoa da cidade. Deve ter sido sua última viagem, isto foi em 2006, ele já tinha 95 anos! Foi um avô mais contido enquanto a vó Jurema era viva e mimava os netos, mas quando ela se foi de repente imbuiu-se de tal maneira de seu legado de amor e carinho que se tornou um avô muito próximo de todos os netos. Deixou um neto ‘xará’ médico que desde sempre o admirou e quis seguir seus passos, além de um bisneto também com o seu nome. E muitas lembranças e saudades em todos nós.

(agosto de 2008)

“Saudades dele… Durante esse longo período em que ele começou a adoecer, vim fazendo uma retrospectiva sobre a vida dele e toda influência que ele teve na minha. Desde ser médico, de ser sãopaulino, de não gostar de frango… Das inúmeras vezes em que recebeu amigos e familiares, atendendo em casa nos fins de semana e feriados. Nunca cobrava nada, seja de ‘gente fina’ do bairro, gente simples ou familiares dos empregados. Lembro dele contar as histórias da Medicina, das aulas de anatomia, do primeiro parto a fórceps que teve que fazer (com a passagem de trem já comprada para fazer a fuga em caso de insucesso). Da frustração por nunca ter tentado ser cirurgião só porque um professor um dia lhe causou um trauma enorme no centro cirúrgico após uma grande humilhação pela contaminação da cirurgia. Lembro bem do dia em que me deu seu jaleco branco de tecido grosso já bem amarelado, usei esse jaleco até acabar, com orgulho, nas aulas de farmácia, bioquímica e depois no hospital. E quando me perguntavam por que o jaleco estava amarelado e velho, já tinha uma resposta pronta… foi do meu avô, tenho que tratar dele direitinho, esse jaleco tem história. Da época em que estudei no Objetivo perto na casa dele só para depois das aulas ficar ouvindo seus causos médicos e sonhando em um dia quem sabe poder também ajudar as pessoas e ter histórias para contar. E das muitas visitas que me fez em Alfenas durante o curso de Medicina. Já mais adiante da alegria que teve quando passei no concurso para médico da Polícia Militar; dizia que eu estava realizando um sonho dele, já que se não pudesse ser médico, teria sido militar. Depois a época em que me perguntava todos os dias sobre nomes de medicamentos, para ver se ele ainda se lembrava deles. Nesta fase nossas conversas passaram a ser mais desgastantes para ele. porque já não conseguia mais lembrar de tudo e se cobrava demais para se manter atualizado. Grande vovô Roque… guerreiro até o fim, exemplo de vida pra mim, será que chego perto do que ele foi um dia?” (Roque)

Roque I, Roque II e Roque III (fevereiro de 2011)

“Entre tantas lembranças do vovô, lembro-me que ele me falava sempre quando era criança que eu era ‘encostante’, pois vivia me encostando nele, pedindo colo! E, depois, quando cresci e fui morar sozinha, ele me disse: “Menina, não sei como você gosta de morar sozinha… eu odeio ficar sozinho!” E eu acho que é assim que ele estava se sentindo nos últimos tempos, apesar de toda a família estar sempre, sempre, por perto. E agora devemos acreditar que ele não se sentirá mais sozinho, pois vai junto de sua amada e querida vovó Jurema. Pode parecer incoerente, mas apesar da tristeza e da falta que ele vai fazer (e que falta!), eu estou feliz e quero celebrar esta vida maravilhosa que ele teve e esta pessoa tão especial que ele sempre será para mim”. (Juliana)

“Tenho muitas recordações do vovô Roque. Era um homem honesto e dizia sempre que ‘se o malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto por malandragem’. Meu avô não gostava de ir a igrejas ou discutir religião. Mas no íntimo do seu quarto, orava em voz alta e lia a palavra de Deus. Para mim é como se tivesse tido dois avôs em um só. Lembro de um avô bem bravo, que não deixava colocar os pés na poltrona ou que se ficasse de conversa ‘fiada’ ao telefone. Esse avô bravo sofreu uma grande transformação depois que a vovó Jurema se foi. Como ele mesmo dizia, virou um Leão sem jubas. Um novo homem, mas a mesma essência. Gostava de jantar cedo, no máximo às 18h30 e nesse momento aproveitávamos para conversar. Ele contava da sua família; de quando foi professor e colocou um aluno com carteira e tudo pra fora da sala de aula; da época de faculdade quando almoçava e pedia uma “água torneiral” para não gastar mais dinheiro. Duas épocas me marcaram bastante. Primeiro durante a novela Rei do Gado, essa novela trazia muitas recordações para o vovô e ele ficava contando suas histórias. E também durante o trabalho do Nonato (fisioterapeuta que trabalhou com meu avô e virou um amigo) com ele, pois sentávamos juntos, o Nonato contava seus casos… Era muito gostoso, o vovô ficava muito feliz com aquele momento. Chorar e relembrar faz parte. Mas me sinto feliz agora, pois já não aguentava mais ver meu avô sem poder se comunicar, sem ter o brilho e a alegria de viver. Faz parte da vida. Como ele mesmo dizia, começamos a envelhecer e morrer desde o momento que nascemos. Vovô Roque e vovó Jurema nos ensinaram um precioso e raro valor nos tempos de hoje, o valor da família! Tenho muito orgulho por fazer parte da família Figliolia”. (Danira)

“Além das histórias e exemplos há coisas mais corriqueiras que ficam na memória. Me lembro que, logo depois da morte da vovó, os netos solteiros (eu, Danirinha e Estêvão) fizemos um revezamento para dormir na casa dele e desta forma não deixá-lo sozinho nenhum dia, já que sabíamos o quanto ele detestava isso. Isto durou um ano. Dani e Este, vocês se lembram do ferrolho na porta da casa, que “baixava” todas as noites, às 22h? E, teoricamente, quem não estava em casa ficava para fora… Pelo menos era o que ele dizia, mas sinceramente nunca fiquei para fora, e muitas vezes cheguei depois das 22h! Depois de um tempo ele percebeu que isso não funcionava mais e desistiu do ferrolho.  Enquanto morei com ele, passava as noites de quarta-feira assistindo o jogo de futebol na TV. Veja bem, não gosto de futebol! É óbvio que no meio do primeiro tempo já estava dormindo no sofá e meu avô me acordava no final do jogo para ir dormir, acho que só a companhia já deixava ele contente.  São muitas lembranças e muito que aprendi com ele… O que todos nos aprendemos com ele”.(Maíra)

Como disse seu neto Estevão, foi uma honra ter sido sua neta, vô. Vai com Deus e descanse em paz.

(Natal de 2008)

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Pragas modernas como o ‘politicamente correto’ e o ‘verde e ecológico’, entre outras, criam polêmicas diárias que são transformadas em discussões intermináveis via Twitter, Facebook e outras redes sociais e comunicações virtuais. Como definiu meu amigo Pedro Barbosa, as armas de destruição em massa da atualidade são o celular com câmera + Twitter.

Não quero aqui fazer uma crítica aos dois exemplos de atitudes que chamei apenas para descontrair e dar um gancho inicial ao texto, de ‘pragas modernas’. Sou politicamente correta, tolerante e respeitosa com crenças, religiões e ideias das quais não comungo. Também procuro viver em linha com o respeito ao meio-ambiente e com a noção óbvia, da qual muitos se esquecem, de que vivemos no mesmo barco e que, se ele naufragar, vamos para o fundo todos juntos. Em casa separamos e reciclamos o lixo, toda a água que usamos é aquecida com energia solar, uso sacolas reutilizáveis nas compras. E procuro comprar, na medida do possível, alimentos frescos, orgânicos e saudáveis.

Mas o que me incomoda mesmo é a falta de bom senso. E a capacidade do ser humano de ouvir uma coisa, não usar o cérebro para processar a informação e apenas deixá-la fluir de um ouvido ao outro – e daí boca afora. Vamos a alguns exemplos.

O mais recente é a polêmica do filtro solar criada pela declaração da modelo Gisele Bündchen de que não usa protetores solares industrializados, pois possuem ‘venenos para a pele’. Gisele diz que não se expõe ao sol e vai à praia entre 5h30 e 8h da manhã! E que, quando necessário, passa zinco para proteger-se do sol, ‘aquela coisa branca e feia.’ Fico cá comigo imaginando eu e meus filhos tentando chegar à praia às 5h30 da manhã. A que horas teremos que ir dormir? E as conversas regadas a uma cerveja gelada, à noite, na varanda com amigos, depois que escurece e fica mais fresco? E as brincadeiras e jogos da criançada depois do jantar? Imagino-me também tentando convencer meu filho adolescente (sim, um dia vocês terão um e me entenderão) de que ele deve passar zinco no rosto e no corpo para ir à praia… aliás, alguém sabe onde vende zinco??

Coincidentemente, Gisele está lançando uma linha de cosméticos ‘naturais’, que certamente terá um filtro solar sem venenos para a pele. Admiro Gisele, mulher inteligentíssima e com senso de timing perfeito.

Outro assunto que desperta emoções é o ‘verde e orgânico’. Pois bem, nem preciso falar sobre a dificuldade de achar produtos orgânicos variados no Brasil, fora dos grandes centros urbanos. Mas vou. Há uma falsa ideia de que é mais fácil achar orgânicos no interior! Agricultura é um negócio como outro qualquer, há muita competição e commoditites têm margem de lucro baixa, ganha-se na escala e na distribuição. Nos grandes centros chegam mais produtos, há mais variedade e preços mais competitivos. Achar orgânicos no interior é trabalho de formiguinha, mesmo. Em Ribeirão Preto, onde moro, há uma produtora certificada de orgânicos que entrega produtos a domicílio. Mas são poucas opções, mais folhas verdes mesmo. Compro o que posso no Pão de Açúcar. Mais uma vez, pouca variedade e quase sempre produtos que estão ‘velhos’, sem frescor. Acrescente-se a isto um filho que come mal e coincidentemente gosta de muitos legumes e frutas que raramente estão disponíveis na forma orgânica. E os preços dos orgânicos então?

O que diz o bom senso? Como a Cecília Meirelles na poesia, bom senso para mim é ‘isto ou aquilo’. É melhor escolher apenas verduras, legumes e frutas orgânicas e ver seu filho ficar sem legumes e frutas na alimentação diária; ou vê-lo comer duas ou três variedades de legumes e frutas não orgânicos por dia? É melhor não passar ‘veneno’ na pele e ficar exposto aos raios solares nocivos ou não usar filtro solar industrializado e sofrer os efeitos do sol? (Olha que ao contrário da imensa maioria dos brasileiros. nós vamos à praia das 9h ao meio-dia viu gente?)


cena do filme “Mulheres Perfeitas” (2004)

Da minha parte, dou verdadeiros e sinceros parabéns às mães de mais de um filho pequeno que compram só produtos orgânicos, que nunca dão doces industrializados aos filhos, que não usam caldo de cubinho no dia-a-dia, que vão à praia de madrugada e passam zinco no corpo dos filhos. E que sozinhas cozinham e faxinam a casa e não têm babá. E que trabalham fora. E que ainda vivem para ler livros, ver filmes, sair com os amigos e conviver com a família. E ainda estão em forma. Eu, infelizmente, sou muito imperfeita.

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Quem me acompanha no Twitter já me viu comentar algumas vezes sobre este livro do David Lebovitz, The Sweet Life in Paris. Um daqueles livros que a gente lê sem ver o tempo passar, ‘economizando’ e ficando até com saudades dele depois que acaba. Me peguei sorrindo e até rindo alto sozinha com ele por aí.

O grande barato do livro é que o David Lebovitz, além de ser um bom blogueiro/autor de livros de culinária, é também um excelente cronista de costumes. Neste livro ele relata com bastante franqueza suas frustrações e seus choques culturais como americano vivendo em Paris, usando na medida certa doses de humor e de fina ironia, e desta forma passando uma imagem positiva da sua vida em uma cidade que lhe era totalmente estranha.

Tendo mudado de cidade duas vezes nos últimos 10 anos, vivi os inevitáveis choques culturais e paguei minha cota de micos. Mas, além deles, tive surpresas agradáveis e conheci muita gente bacana. A ideia – óbvia mas que muita gente não saca tão facilmente – é focalizar no que o novo lugar tem de bom para oferecer e procurar usufruir ao máximo disto. E relevar os micos. E se adaptar à cultura, não exigindo que ela se adapte a você.

“What helped was that I understood the food and tried my best to adapt to the culture, rather than trying to make the culture adapt to me”(D. Lebovitz)

No livro há episódios muito engraçados, como quando ele descreve suas táticas para não ser ‘esmagado’ pelas pessoas nas filas. Ou quando tenta entender a obtusa burocracia francesa. Ou ainda quando descreve os percalços domésticos de alguém que não sabe nem falar direito a língua nativa e precisa ‘expulsar’ um pintor que não termina nunca seu trabalho na casa. Isto já é difícil no seu país e língua natais, imaginem em outro idioma 😉 E ele consegue ser tão crítico com os parisienses quanto com os americanos que dão seus foras visitando Paris.

Entre receitas bacanas e dicas dos seus lugares prediletos na cidade, e no meio das experiências frustrantes, chateações e estranhezas, David nos diz que há muita coisa bacana para ver e aprender. E que a vida é boa 🙂

“Everyday in Paris isn’t always so sweet. Although I’ve tried my best to fit in, no matter where you plant yourself, there’s certain to be ups and downs. I embarked on a new life in Paris without knowing what the future would hand me. Because of that, my life’s turned into quite an adventure, and I often surprise myself when I find that I’m easily mingling with the locals, taking on surly salesclerks, and best of all, wandering the streets in search of something delicious to eat” (D. Lebovitz)

Para dar mais sabor a este post e como aperitivo do livro, aqui vai a receita dele que melhor descreve o estilo do David Lebovitz – picante e doce na medida certa, para abrir o apetite e deixar a gente feliz.

Spiced nut mix

2 xíc (chá) ou 270 g de castanhas variadas: nozes, amêndoas, amendoins, nozes pecãs, avelãs, castanhas-de-caju ou castanhas-do-pará
1 col (sopa) ou 15 g de manteiga com sal derretida
3 col (sopa) ou 45 g de açúcar mascavo
½ col (chá) de canela moída
1 col (chá) de pimenta chilli em pó
2 col (sopa) de maple syrup
½ col (chá) de cacau em pó
1 ½ col (chá) de flor de sal (ou sal grosso)

Pré-aqueça o forno a 180º C. Espalhe as castanhas em uma assadeira e leve ao forno por 10 minutos. Enquanto isso, numa vasilha grande misture a manteiga, o açúcar mascavo, a canela, o chilli em pó, o maple syrup e o cacau em pó. Jogue as castanhas já mornas na vasilha dos temperos e misture bem. No fim, polvilhe o sal.

OBS. A @fezoca e a @entrepanelas também fizeram posts legais que mencionam este livro aqui e aqui.

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Ando meio cansada desta ode consumista que vem se espalhando feito praga nos últimos tempos. Hoje, lendo este post da Taís Vinhas do Ombudsmãe, percebo que não sou só eu que tenho esta birra com um dos hobbies mais cultuados pelos brasileiros – as compras.

Fico boba em ver o tamanho e a quantidade das malas dos brasileiros nos check-ins dos aeroportos! Me dá vergonha, juro… Nos EUA, a grande Meca deste povo do consumo, trocam facilmente passeios por compras. Ouvi recentemente de uma amiga que deixaram de ir aos parques da Universal Studios ‘porque senão não daria tempo de fazer compras’ – alô?? E compram nos outlets como se não houvesse amanhã. Sim, é mais barato. Mas será que precisa comprar tanta coisa?

Ontem na lavanderia uma pessoa deixava mais de 15 casacões para lavar. Detalhe: contava que a família, de quatro pessoas, tinha viajado para o frio. Não pude deixar de lembrar que minha família de quatro pessoas também acabou de voltar do frio e que estava na lavanderia buscando os QUATRO casacos que tínhamos levado.

Não é só gente dita ‘de posses’ não! Escutei um dos garotos que jogava futebol na rua, outro dia, vangloriando-se de possuir mais de 10 chuteiras. Vejo minha funcionária se endividando por causa de roupas e bijuterias novas. E celular? É um por ano! “Ah, mas a gente troca os pontos, não custa nada!” Há gente que realmente acredita nesta balela? Fora o desapego ecológico – eu me sinto mal quando jogo qualquer tipo de eletrônico no lixo, juro.

Não posso com gente que acha mais importante dar um presente caro no seu aniversário do que telefonar, se mexer para dar pessoalmente um abraço e mostrar carinho, afeto e atenção. Tem acontecido tanto ultimamente… Já percebi que este é o grande ‘barato’ de alguns amigos e há casos em que infelizmente entro na dança para não ter dissabores e recebo telefonemas eufóricos agradecendo… “Ah… não precisaaaaaaava gastar tanto comigo!!”, mas lambendo os beiços de emoção.

Sim, eu sou consumista! Assumo. Vai ter gente que me conhece bem jogando pedras no meu telhado de vidro 🙂 Mas a questão não é esta. É o exagero. É a vinculação do afeto aos bens materiais. É o endividamento, o cheque especial, as prestações ao invés da poupança para o futuro. Ou seja, a herança e os valores que queremos passar aos nossos filhos. Obs. Este texto foi originalmente publicado no blog A Roupa Nova do Rei.

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Muito difícil falar de religião. E até por isto relutei em escrever uma resenha do livro The God Delusion, do Richard Dawkins. Mas o livro desperta curiosidade e várias pessoas me pediram a opinião sobre ele. Vamos lá. É bom começar esclarecendo minha posição sobre religião, para que o leitor possa conhecer a “lente” pela qual enxergo o tema. Na prática, sou mezzo católica e mezzo anglicana (acabando em pizza mesmo), filosoficamente sou extremamente aberta a quaisquer ideias religiosas (ou não-religiosas!), desde que sigam o preceito básico da tolerância (já falei sobre educação com tolerância neste post).

Há duas historinhas, provavelmente lendas bonitinhas, mas que mostram bem como penso a religião. A primeira diz que Gandhi, quando perguntado a que religião pertencia, respondeu: “Sou Hindu, sou Muçulmano, sou Judeu, sou Cristão e sou Budista”… Outra diz que o Dalai Lama, quando perguntado qual seria a melhor religião do mundo, respondeu que era “aquela que te faz ser uma pessoa melhor”. E serve como uma luva esta placa que fotografei na frente de um centro de ioga no Village, em Nova York.

True is one. Paths are many.

Dito isto, foi com ‘boa’ pré-disposição que iniciei a leitura deste livro. Gosto de temas que desafiam, que mostram outras maneiras de entender um pré-conceito e que nos fazem pensar. O autor acerta muito em chamar a atenção para a questão da posição privilegiada que a religião tem hoje no mundo. De fato, há uma presunção geral de que a religião é especialmente vulnerável às ofensas; organizações religiosas baseadas em qualquer crença, seja antiga ou moderna, criada há mil anos ou ontem, têm em quase todos os lugares isenção de impostos e facilidades políticas. Organizações religiosas têm uma liberdade quase ilimitada (nos EUA inclusive sustentada pela jurisprudência) de exercer preconceitos e disseminar o ódio e a intolerância. A Primeira Emenda da Constituição norte-americana garante a liberdade de expressão, desde que esta expressão não dissemine ódio – já a liberdade religiosa não tem esta limitação.

Como cientista, o autor sustenta que a existência de Deus é uma hipótese científica como qualquer outra. Como biólogo, baseia muito sua tese de que Deus não existe na teoria da evolução. Assim, em última instância, quer provar que qualquer inteligência criativa e suficientemente complexa existe somente como um produto final de um extenso processo de evolução gradual e não de uma inteligência superior e sobrenatural. E diversos exemplos vêm disto: as pessoas são boas não porque querem um lugar no reino dos Céus, mas porque necessitam disto para sobreviver na natureza – nosso altruísmo seria genético, para preservar a espécie.

Mas o autor peca por duas razões principais. Primeiro, é um tanto arrogante e fala demais de si mesmo e dos embates e discussões que já teve. Segundo, mostra-se tão apaixonado pelo tema que comete um pecado mortal para um cientista – na máxima de Carlos Maximiliano, “apaixonar-se não é argumentar”. Dawkins é muito cuidadoso e ‘preciosista’ com pesquisas, números e argumentos contrários à religião, mas não age da mesma forma do outro lado. Assim, abusa um pouco de estatísticas traiçoeiras e manhosas.

Exemplos estão abaixo, se não quiser spoilers, pule os três próximos parágrafos.

Na página 102, o autor menciona que uma pesquisa feita com um “grande número de americanos selecionados aleatoriamente” (quantos seriam ‘um grande número’?) mostra que quanto maior o grau acadêmico, menos religiosa é a pessoa; e que a religiosidade é inversamente proporcional ao interesse pela ciência e o liberalismo político. Questiono muito esta estatística que provavelmente é restrita a um pequeno universo e cujas conclusões são temerosas. Outro exemplo: na página 229, menciona um texto e estatísticas que dizem que “embora a filiação político-partidária nos EUA não seja um perfeito indicador de religiosidade, números mostram que a violência e a criminalidade são maiores nos Estados dos congressistas cristãos conservadores”…

Na página 249 menciona um cientista Prêmio Nobel que diz: “religião é um insulto para a dignidade humana. Com ou sem ela, teremos pessoas boas praticando o bem e pessoas más praticando o mal” – até aí, tudo bem. Mas fecha muito mal sua colocação inicialmente ponderada: “mas para pessoas boas fazerem o mal, é preciso a religião”. Mais um exemplo de argumentação que descamba para a paixão: na página 259, o autor reconhece que “a religião é um rótulo para a inimizade ente grupos e para a vingança – não necessariamente pior que outros rótulos como cor da pele, idioma, ou time de futebol, mas frequentemente à disposição quando outros rótulos não estão” (?)…

Muitas vezes usa os argumentos conforme sua conveniência: na página 273, quando fala de Hitler e Stalin, diz que “não importa se Hitler ou Stalin eram ateus, mas se o ateísmo sistematicamente influencia as pessoas a fazerem o mal. Não há a menor evidência que o faz” (Mas a religião sim…?! Com base nas generalizações e estatísticas que ele colhe ao acaso). O mesmo argumento usa para a guerra. Mas o fato do ateísmo não levar às guerras não necessariamente significa que a religião leva! Não sou nenhuma historiadora, mas pelo pouco que estudei vejo que as guerras no mundo quase sempre têm uma motivação econômica por trás, normalmente de escassez – seja de dinheiro, de empregos, de terras, de recursos naturais. Ainda que hoje em dia tenhamos a ‘Guerra Santa’ explodindo por aí. E por vezes as guerras são fruto de fenômenos como Hitler e Stalin – passando por Idi Amin Dada e Pol Pot – cujos denominadores comuns não têm qualquer relação com religião e são o carisma, o poder, a loucura e a maldade.

Quase sempre, no livro, os religiosos são pintados como fanáticos, violentos e irracionais. O autor não considera que existem milhares de religiosos pacíficos e ponderados no mundo! Os exemplos de ponderação são quase sempre de não-religiosos. Ele dá exemplos de cartas e emails violentos enviados para sites que pregam o ateísmo. Ora, maluquice não é privilégio de religiosos não – tenho amigas que tem blogs de culinária e já foram ameaçadas de morte. Tem louco para tudo no mundo. Para mim, a pior parte do livro é a referência à pedofilia. Se não quiser mais um spoiler, pule esta parte.

Na página 316, Dawkins fala sobre os pedófilos. Diz que a “histeria contra os pedófilos assumiu proporções epidêmicas e vem levando os pais ao pânico”. Menciona que um jornal britânico de segunda linha iniciou em 2000 uma campanha que incentivava a violência contra os pedófilos, motivado por um crime real, a morte de uma garota de 8 anos que foi sequestrada e estuprada. Mas o autor chega ao ponto de afirmar: “no entanto, é claramente injusto jogar sobre todos os pedófilos uma vingança apropriada apenas à pequena maioria que também é assasina”. Como é?? Muita bondade e compreensão para quem é implacável com os religiosos. Chega a dizer que nas três escolas que freqüentou havia professores “cuja afeição por meninos pequenos ultrapassava as barreiras do que era apropriado” – mas que mesmo assim o autor se “sentiu obrigado a vir na defesa deles, inclusive como vítima de um deles (em uma experiência embaraçosa mas que não deixou danos)”. Não entendo como ele pode achar isto muito melhor do que os padres professores que ameaçavam as crianças com o fogo do Inferno. Questão de opinião, mesmo.

Ele advoga a extinção de Igrejas e de padres, citando exemplos de pessoas traumatizadas por experiências de infância com padres que aterrorizavam prometendo castigos, o Inferno, etc. Ora, se for assim, devemos abolir também as escolas por conta daqueles professores que não ameaçam com o castigo de Deus, mas são capazes de dizer a um aluno que ele é ‘burro’ e que ‘não vai ser nada na vida’, como existem casos por aí. Isto é melhor de alguma forma? Devemos culpar a totalidade de escolas e professores por estes exemplos isolados? Então não podemos também culpar a totalidade das Igrejas e padres.

Voltando à tese do livro, o autor observa que a religião preenche quatro lacunas na vida humana: explicação, exortação, consolação e inspiração. Concordo com o autor quando ele diz que, historicamente, a tarefa de explicar nossa existência e a natureza do Universo no qual nos encontramos já foi – melhor dizendo, vem sendo – suprida pela Ciência. Por exortação o autor quer dizer instruções morais, ou como devemos nos comportar. Parte disto de fato se deve à solidariedade da espécie, como o autor defende, mas na minha opinião ainda há muito que explicar. Assim como os contos de fadas ajudam às crianças a expor seus medos e levam ao auto-conhecimento, também a religião pode satisfatoriamente fazer isto. Claro, a religião como nós, eu e você, a praticamos e não a religião fundamentalista que é tão ruim como qualquer outro meio de disseminação de proconceitos, ódio e intolerância. Na difícil questão do consolo, o autor usa uma argumentação muito frágil. Compara a religião com os amigos imaginários e as muletas de afeto das crianças, como chupetas e cobertores. Ele quer dizer que, quando amadurecemos, teoricamente não necessitamos mais destas muletas psicológicas par vivermos bem e felizes.

Tão difícil entrar nesta seara… eu mesma não consigo escapar do consolo que a religião oferece no caso da morte de pessoas queridas. Preciso, quero e acredito que minha avó, que foi uma mãe para mim e cuja morte senti muito, está lá (onde quer que seja este lugar) nos vendo e zelando por nós, que ela de alguma forma conheceu os meus filhos e acompanha a minha vida. Possivelmente sou um ser humano imaturo, mas enfim, difícil achar quem não seja.

Por fim, sobre a inspiração, o autor pega mais leve e diz que “é uma questão de foro íntimo e o método de argumentação que vai usar é mais retórico que lógico” Tenta trabalhar na abertura dos horizontes e na ampliação da nossa visão, mas não convence. Não vejo porque tirar os benefícios da religião utilizada para esta função. Já saí de algumas missas muito inspirada, de alma leve, tendo aprendido alguma coisa interessante. E acho que isto vale para milhares de pessoas. Mesmo que algumas vezes a inspiração seja usada para o mal.

Mas leia o livro! Gostaria muito de ouvir outras opiniões. Obs. 1 Li o livro em inglês, assim as traduções para o português deste texto são todas minhas. Aceito críticas. Obs. 2 Este texto foi originalmente publicado no blog A Roupa Nova do Rei.

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Este título não é meu, foi “emprestado” de uma piada bonitinha, mas cheia de significado, que ilustra bem o tema de hoje. Diz que um sujeito estava colocando flores no túmulo de um parente, quando vê um chinês colocando um prato de arroz na lápide ao lado. Ele se vira para o chinês e pergunta: “- Desculpe, mas o senhor acha mesmo que o defunto virá comer o arroz?” E o chinês responde: “- Sim, logo depois que o seu vier cheirar as flores!” A moral da história: “respeitar as opções do outro, em qualquer aspecto, é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. As pessoas são diferentes, agem diferente e pensam diferente. Portanto, não julgue… Apenas tente compreender”.

Comecei pelo fim, agora voltemos ao começo. A ideia de escrever sobre intolerância veio da leitura deste texto muito interessante, “Entre os muros da outra escola”, escrito pela repórter Eliane Brum para a revista Época. Quem ainda não leu, vale a pena! Ela diz no texto que “as escolas talvez sejam as maiores reprodutoras de desigualdade. Não apenas na questão da qualidade, que determina destinos. Mas no convívio cotidiano, no (não) exercício da solidariedade e do respeito às diferenças. Seja nas públicas ou nas privadas, o que encontramos é uma convivência entre iguais. Nossos filhos não conhecem a diferença, não são beneficiados pela riqueza da diversidade. Não conjugam a tolerância. Quando confrontados com a diferença – e não apenas a socioeconômica –, expulsam-na”. É aí que comecei a pensar.

Acredito que a escola tenha sua parcela de responsabilidade para coibir a intolerância e até casos mais graves de bullying, mas a verdade é que as crianças são, em muito, um retrato dos próprios pais. A menina do texto acima diz que seus colegas “são que nem os pais deles. Nessa coisa das marcas, do dinheiro. Mas quem cria meus colegas, mesmo, não são os pais. Eles nunca ficam com eles. Eles estão trabalhando ou em jantares. Meus colegas são criados pelas babás. Elas são as mães de verdade deles”. Sim, em muitos casos isto é verdade. Mas este argumento é muito cômodo e conveniente para nós os OUTROS pais que estamos presentes na vida dos filhos, que somos participativos.

Pensemos historicamente: a História nos mostra que os grandes conflitos e guerras têm quase sempre um motivo “econômico” por trás. Mas o pavio que acende a pólvora das crises econômicas é quase sempre a intolerância – étnica, religiosa, social. Acredito piamente que este seja o maior mal do mundo moderno. E, com honrosas exceções, da História em geral. Até por isto nos policiamos mais nestas questões. O duro é quando a intolerância assume outras facetas mais sutis e mais difíceis de ser detectadas do que a intolerância religiosa ou étnica, para qual estamos mais “treinados”.

Quase todo mundo concorda com este discurso de tolerância, em tese. O problema é a prática! O que vejo em muitos pais – inclusive em mim mesma – são comportamentos, atitudes e valores que denotam intolerância, mas de uma forma mais sutil e por vezes imperceptível. Abrindo um parêntese: fui criada numa família muito tolerante com tudo e cresci convivendo com ideais de tolerância (como por exemplo através do CISV). Mas não escapo das armadilhas do dia a dia. Ficamos sem carro e a seguradora nos “emprestou” um carro popular por uma semana. Cheguei em casa rindo e dizendo que agora íamos andar uma semana no “ximbica”, que precisava de um guindaste para mexer a direção, etc. Meus filhos riram junto. Em frações de segundos me toquei que aquele carro era igual ao da nossa faxineira, que tinha trabalhado duríssimo para comprá-lo e tinha o maior orgulho dele. Sei que parece um exemplo bobo, mas não é! Mesmo porque nossos filhos não fazem e não vão fazer o que falamos, mas sim o que fazemos (vou ficar chocada se meus filhos aos 18 anos pedirem um carro novo e se recusarem a ganhar um “ximbica”…).

E por aí vai. Já ouvi zilhões de vezes amigos queridos, gente aberta, simples, bons pais, dizerem assim: “este ‘baiano’ com este carro velho não sai da minha frente’, ‘fulano é muito pão-duro, olha que presente barato me deu, ele que tem tanto dinheiro’ (como se afeição e respeito fossem medidos por dinheiro). Há outros que não criticam os demais, porém a si mesmos: ‘estou gorda e portanto sou feia’ (depois espantam-se que o filho chamou a colega gordinha da escola de feia! ‘De onde ele tirou isto??’)

Há também a excessiva valorização das coisas materiais: pais que pulam de alegria e contam sem parar das coisas que compraram, que falam para os filhos não se preocuparem, porque ‘quando papai for viajar ele traz um videogame igual o do amiguinho da escola’. Fora aqueles intolerantes de carteirinha (acho que não toleram a si mesmos) que buzinam se o carro da frente leva mais do que segundos para andar, que brigam porque alguém parou rente à vaga, que brigam porque o garçom demora, que ligam para gritar e xingar o banco, a companhia telefônica, o Papa (Calma gente! Não estou dizendo aqui que devemos ser passivos e não lutar pelos nossos direitos, mas há uma diferença grande entre sair por aí raivoso ou escolher as brigas certas e entrar nelas com educação e civilidade). Não nos iludamos, nossos filhos estão nos observando e aprendendo a agir como agimos.

É difícil, pelo menos para mim, é um exercício diário de atenção. E acho que a Eliane Brum, no seu texto, dá um caminho interessante. Precisamos estimular nossos filhos a exercer a solidariedade e o respeito às diferenças no convívio cotidiano. Não quer dizer que os pais que têm filhos nas escolas particulares de elite mudem seus filhos de escola! Mas, na medida do possível, procurem beneficiá-los com a riqueza da diversidade, freqüentando outros lugares que não o trinômio escola/clube/shopping. Procurem confrontá-los com a diferença – e não apenas a socioeconômica – para que eles possam ser seres humanos ainda mais legais que nós somos.


Obs. Este texto foi publicado originalmente no blog A Roupa Nova do Rei.

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